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A menor "destilaria" do mundo

Chaveiro por opção, eletricista por vocação e “usineiro” por inspiração. Osiel Cícero da Silva, filho de Sirinhaém, município da Zona da Mata a 76 quilômetros do Recife, já abriu porta de cadeia pública, trabalhou no maior shopping center do Brasil e tem no terraço de casa uma usina de cana-de-açúcar e uma destilaria de cachaça. Com a sabedoria de criança criada na região açucareira e a ajuda de Felipe, um amigo curioso da história colonial de Pernambuco, Osiel montou “engenhocas” que reproduzem, em detalhes, as etapas da indústria canavieira no estado. Invenções que têm clientela certa: alunos de escolas públicas e os próprios vizinhos da rua.

Eletricista contou com a ajuda do amigo Felipe Farias para ser fiel à história colonial enquanto construía seu miniengenho Foto: Fotos: Cecília de Sá Pereira/Especial para o DP/D.A. Press”Eu sou engenhoso, no final das contas”. E tem como negar mais esse título a Osiel, que começou a montar a usina em 2004, desmontando um aparelho de videocassete? Um caminhão também feito por ele leva a cana-de-açúcar à maquete de dois metros de comprimento, que “todo ano cresce um pouquinho”, ganhando um novo engenho. A garrinha da ponterolante puxa o carregamento e joga na esteira. A cana sai deslizando até passar pela moagem, etapa de extração do caldo. O líquido cai nas panelas de casa que Osiel improvisou como caldeirões e passa por um pré-cozimento, antes de ir à microdestilaria. O cheiro do caldo esquentando chama a vizinhança.

Com dois litros de caldo pré-cozido, segundo Osiel, dá para fazer 500 ml de cachaça na microdestilaria. A produção é limpa, ecologicamente correta. “Eu deixo o caldo fermentar naturalmente durante 3 dias, sem colocar produto químico para apressar”, diz Osiel. O primeiro litro da cachaça, segundo quem degustou, saiu pegando fogo. “Saiu toda de cabeça, que é mais forte”. O inventor aproveitou, entre outros objetos estranhos ao negócio, forma de bolo, polia de máquina de lavar e estufa de dentista, para montar as engenhocas. “A gente foi ver um engenho perto de Sirinhaém. O princípio é o mesmo. A gente conseguiu um livro que diz como montar uma microdestilaria na sua fazenda”, contou o modesto usineiro. O consumode energia equivale ao de um ar-condicionado de 10 mil btus. Seis voluntários colocam, literalmente, o negócio para moer.

Criações de osiel reproduzem, em detalhes, a industrialização de produtos derivados da cana, cultura predominante na zona da mata sul

A “gente” que Osiel fala é ele e Felipe Farias, amigo, dono de um mercadinho no município, bacharel em direito e curioso das histórias dos engenhos de Pernambuco. Acompanhando o pai nas viagens, ouviu causos e viu ruínas. “Eu já freqüentava um restaurante em frente à casa de Osiel e via sempre a maquete da usina. Um dia, eu o conheci e sugeri montar uma destilaria com ele”, lembra Felipe. “Na região de Sirinhaém era onde tinha mais usina no estado. No início do século passado, existiam seis, se não me engano. Com a crise do açúcar e do álcool, lá nos anos 80, ficou só uma”.

Essa “uma” que Felipe fala é a Trapiche que, de acordo com seu Djalma, instrumentista da usina há 32 anos, bateu recorde de produção na região. Foram três milhões e 33 mil sacos de açúcar no último ciclo (de setembro de 2007 a fevereiro deste ano). As maquetes saem da casa de Osiel por dois motivos: participar de feiras e exposições em escolas e comemorar o início da moagem na usina. O inventor “aluga” as engenhocas e investe o apurado na manutenção.

Osiel é também o único chaveiro de Sirinhaém. “Um tio meu veio do Recife e abriu um chaveiro aqui, há uns dez anos. Mas o negócio não era bom. Mas, o povo começou a procurar. Eu tinha aprendido algumas coisas e fui pegando”, conta Osiel. “Também tem a coisa da confiança, né? A gente não pode confiar em qualquer chaveiro”. O filho mais velho do inventor, Christenis, de 13 anos, já tem o apelido de “Chaveirinho”. “Ele vai aprender o que eu sei, mas não vai ser o que eu sou”. Na parede da lojinha, que divide o terraço da casa com as engenhocas, Osiel pendura, orgulho, os certificados dos cursos de eletricidade que já participou.