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O avanço irresistível dos transgênicos

Um certo frenesi costuma dominar o campo nos primeiros meses do ano, época da colheita agrícola. É quando entram em cena legiões de trabalhadores e milhares de tratores, máquinas e caminhões com a missão de captar e escoar uma das maiores riquezas da economia do país. Mesmo para os padrões do período, o ritmo atual de trabalho tem impressionado quem atua no setor. Os produtores correm para colher até maio a maior safra agrícola da história. Só de soja, a principal commodity agrícola brasileira, serão cerca de 58 milhões de toneladas, sendo mais da metade transgênica. Em 2007, foram dedicados 15 milhões de hectares à soja e ao algodão geneticamente modificados, área 30% maior que a da safra anterior. E esse é só o começo de uma onda que parece ser irreversível. No início de fevereiro, duas variedades de milho transgênico receberam o aval do Conselho Nacional de Biossegurança, composto de 11 ministros. O processo de liberação dos milhos, um da Monsanto e outro da Bayer, estava estacionado devido a uma chuva de liminares na Justiça promovida por entidades ambientais, ferrenhas adversárias da nova tecnologia. O desfecho do caso é mais uma demonstração de que a realidade acaba por se impor. Hoje, o agronegócio brasileiro depende de eficiência e redução de custos — e os transgênicos são uma de suas engrenagens fundamentais. Com seu milho transgênico, a Monsanto promete uma lavoura mais protegida dos insetos. A Bayer, uma plantação mais resistente a herbicidas. Em ambos os casos, o agricultor gasta menos com defensivos agrícolas e tira mais produtividade do solo — a consultoria Céleres estima que as novas sementes trarão um ganho de quase 7 bilhões de dólares aos produtores na próxima década. “A biotecnologia permite fazer mais com menos”, diz o espanhol Alfonso Alba, presidente da Monsanto no Brasil. “Estamos assistindo ao começo de uma revolução.”

Novos na história da agricultura, os transgênicos existem comercialmente desde 1995. Usados por 23 países, já ocupam quase 10% da área plantada no mundo. O mais significativo é seu avanço nos grandes países agrícolas. Os Estados Unidos empregam sementes transgênicas em 32% de sua área agrícola. Na Argentina, mais da metade das terras cultivadas foi tomada por soja, milho e algodão geneticamente modificados. O Brasil, nesse sentido, é a grande fronteira a ser conquistada. É a única potência agrícola com espaço para manter a produção em crescimento ainda por muitos anos, seja pelo avanço da área plantada (mesmo desconsiderando-se as áreas de florestas), seja pelo uso de mais tecnologia no campo. “Com a quantidade de terras disponíveis no Brasil, o país poderia ser líder mundial no uso de biotecnologia”, diz o britânico James Clive, presidente do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês), entidade que apura dados sobre transgênicos no mundo todo.

Convencer os produtores não parece ser o problema. O gaúcho Luiz Alberto Bortolini planta soja em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, há quase duas décadas. Passou a cultivar a versão transgênica do grão há dois anos. A primeira safra com a soja geneticamente modificada ocupou apenas 20% da propriedade de 2 200 hectares. O custo mais baixo e a praticidade na aplicação seduziram Bortolini a ampliar a área transgênica para 60% da fazenda neste ano. “Na soja convencional, eram necessárias três aplicações de herbicida”, diz ele. “Agora, aplicamos apenas uma vez.” Não são apenas os grandes produtores de soja que se beneficiam da tecnologia. No Vale do Jequitinhonha, na cidade mineira de Catuti, um grupo de cerca de 30 famílias está plantando algodão transgênico numa região em que a cultura entrou em decadência nos anos 80, em decorrência de uma praga na lavoura. Na primeira safra, os agricultores cultivaram juntos cerca de 40 hectares e conseguiram multiplicar por 5 a produtividade que obtinham antes. No segundo plantio, iniciado em dezembro, eles ampliaram a área para 200 hectares. Patrocinado parcialmente pela Monsanto, o projeto se inspirou em milhares de produtores de algodão da Índia, que hoje chegam a ter rentabilidade média de 250 dólares por hectare. “O transgênico viabiliza para o pequeno agricultor o cultivo de algodão, que é caro e trabalhoso”, diz João Carlos Jacobsen, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão.