Mercado

O especulador e o etanol

O bom desempenho da indústria canavieira do Brasil, que se apresenta hoje com o o mais eficiente modelo de produção de energia renovável, está atraindo novos empreendi mentos. O mais recente foi anunciado pelo investidor húngaro-americano George Soros, que, através da empresa Adecoagro, tem planos de aplicar um bilhão de reais na construção de três usinas no estado do Mato Grosso do Sul. Na avaliação de Soros, a indústria baseada no petróleo originou muitos problemas políticos de fundo social nos países produtores. “Agora chegou a vez de democratizar a utilização de novas fontes de energia limpas como o etanol”, diz.

Soros faz questão de enfatizar que os investimentos programados para o país são pessoais, não tendo relação alguma com seus fundos de investimentos Open Society Institute e Soros Foundations Network. “Acredito no potencial do setor, e o etanol se posiciona como a mais eficiente alternativa de energia limpa”, diz.

O sistema de produção adotado pela Adecoagro é de larga escala, e tem na sustentabilidade seu eixo principal. “Nossos empreendimentos visam, além da viabilidade econômica, a social e a ambiental”, diz Marcelo Vieira, diretor do grupo no Brasil. Instalado em uma área de 150 mil hectares nos municípios de Angélica e Ivinhema, o projeto da Adecoagro estará completamente implantado em 2015.

A companhia estima processar 11 milhões de toneladas de cana, o que a posicionaria entre as líderes do país. “Trata-se de uma grande empresa de etanol, que fará a receita anual da Adecoagro saltar de 125 milhões de dólares para 600 milhões de dólares em oito anos”, diz Vieira.

A pr imeira unidade industrial começou a ser construída em junho, e pode entrar em operação no final de 2008, quando deverá moer 800 mil toneladas de cana-de-açúcar por dia. A produção de álcool será destinada inicialmente ao abastecimento do mercado interno, mas os planos da empresa são de exportação.

“Hoje os estoques de álcool estão em altos patamares no Brasil, ao passo que a demanda por biocombustíveis é nervosa em todo o mundo. É preciso chamar a atenção dos Estados Unidos, Europa e Japão, onde o produto esbarra em problemas de taxas e certificação”, diz. Segundo o investidor, a escassez prevista das reservas mundiais de petróleo tem modificado a geopolítica global.

“Eu não estou só ao reconhecer que estamos enfrentando uma situação que, se não for seriamente considerada, poderá destruir a civilização”, diz.

Soros afirma que o fato de o álcool da cana-de-açucar ser mais competitivo que os demais biocombustíveis garante ao Brasil uma grande vantagem em relação a outros países.

“Existem, porém, questões a serem resolvidas, como investimentos em tecnologia e a abertura do mercado mundial para o produto”, diz. Ainda assim, ao investir no país, a Adecoagro reforça a aposta no potencial do país. “O Brasil tem os melhores custos de produção do mundo.”

A despeito das qualidades que atraíram Soros, o modelo produtivo nacional somente se manterá vencedor com investimentos em novas fronteiras tecnológicas, como a produção do etanol celulósico (obtido através da celulose existente na cana). A nova matéria-prima para o biocombustível é uma das prioridades dos Estados Unidos, uma vez que a produção de etanol a partir do milho tem custo alto e baixa eficiência. Segundo Helena Chum, diretora de um grupo de pesquisa exploratória do National Renewable Energy Laboratory, o governo americano está investindo pesado nas biorrefinarias de celulose. Estimativas indicam que nos próximos quatro anos os investimentos daquele país em novas tecnologias se situarão em 385 milhões de dólares.

“O Brasil precisa virar o jogo do etanol celulósico, a nova fronteira tecnológica na produção de biocombustíveis”, diz o pesquisador Carlos Rossel, da Unicamp – Universidade de Campinas. Segundo ele, investir no etanol celulósico significa ganhar em produtividade.

“Em uma estimativa conservadora, poderíamos aumentar a produção de etanol de 35% a 40%. Assim, teríamos mais etanol pela mesma quantidade de área plantada”, afirma.

No Brasil, a única experiência com essa tecnologia se restringe à Dedini, fabricante de equipamentos para usinas de álcool, que possui em Piracicaba, SP, uma planta-piloto de produção de etanol a partir da celulose. “Novas tecnologias devem entrar no mercado nos próximos anos, mas a cana-de-açúcar permanecerá na liderança por muito tempo”, afirma José Luiz Olivério, diretor da Dedini.

Já a abertura do mercado mundial depende da volatilidade do etanol. “Este é um dos fatores que devem ser superados para a fixação de preço do combustível como commodity”, diz Ivan Wedekin, diretor do Agronegócio e Energia da BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros. A volatilidade do etanol ultrapassa os 50%, numa média normal de 20% a 30% para outros produtos. “Isso ocorre por variação da oferta”, diz Wedekin.

Tal volatilidade pode ser reduzida através da criação de instrumentos de garantia dos contratos de venda. “Quem vai nos ensinar o caminho das pedras é o comércio internacional, que criará liquidez e possibilitará transformar o álcool em commodity”, diz o diretor. O objetivo da BM&F é oferecer o ambiente de negociação e todo o suporte na liquidação física e financeira do contrato de etanol.

“Em pouco mais de duas semanas em funcionamento conseguimos mil contratos de 30 toneladas”, diz Wedekin. Para a pesquisadora do Cepea – Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo, Heloísa Burnquist, o álcool precisa ser avaliado como commodity energética e não agrícola.

Mesmo sem a padronização de regras para o comércio internacional, a atividade se mantém aquecida. As projeções do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, indicam que em 2017 o Brasil estará colhendo um bilhão de toneladas de cana-de-açúcar por safra. Os baixos custos de produção, o clima adequado ao desenvolvimento das plantações e a disponibilidade de terras para expansão são os principais atrativos da atividade. Existem atualmente 357 unidades em funcionamento no Brasil.

Outras 99 estão em fase de instalação. Além dos investimentos internos, empresas de capital estrangeiro fixaram-se por aqui nos últimos anos, entre as quais a Adecoagro, Cargill, Clean Energy Brazil, Infinity Bioenergy, Louis Dreyfus, Noble Group e Tereos, que, juntas, já estão processaando mais de 25 milhões de toneladas de cana por safra.

Criada em 2002 para atuar no mercado agropecuário argentino, a Adecoagro es tá no Brasil desde 2004, quando adquiriu três fazendas no oeste baiano e sudeste de Tocantins. Em 2005 o grupo deu um passo rumo à produção de agroenergia através da compra da Usina Monte Alegre, MG.

A usina processa atualmente um milhão de toneladas de cana, produzindo 30 milhões de litros de álcool e 80 mil toneladas de açúcar por ano. “O etanol produzido a partir da cana-de-açúcar é a melhor opção em biocombustíveis e pretendemos com este projeto ter crescente participação nesse mercado”, afirma Soros.

Eficiência em jogo

A área de cultivo de milho crescerá 10% na próxima safra americana. O aumento reflete o aquecimento da demanda por etanol ao longo dos últimos dois anos, período em que os Estados Unidos investiram na construção de 115 usinas. Outras 79 unidades estão sendo implantadas. Agricultores americanos obtêm uma média de 435 galões de etanol por acre (quase quatro mil litros por hectare).

“Até 2020, a expectativa é atingir o volume de mil galões por acre”, diz Ken McCauley, presidente da Associação Nacional de Produtores de Milho dos EUA. Além do aumento de área é possível também ampliar a produção com o uso de tecnologias “que melhorem a produtividade do setor”, diz.