Mercado

Descartar, sem pensar

Nesta semana dedicada ao meio ambiente, nada como aprofundar alguns aspectos ao uso do álcool. O interesse extrapolou as fronteiras brasileiras e, talvez, esteja evoluindo até mais rápido que o desejável. A internacionalização da produção e uso do combustível verde esteve no centro das atenções da Conferência de Cúpula do Etanol, organizada em São Paulo (SP) pela Única, entidade paulista da indústria de cana-de-açúcar.

Dos conferencistas do exterior, destacou-se Felipe Gonzalez, ex-primeiro-ministro da Espanha. Ele chegou a ironizar o falso conflito entre alimentos e energia. No caso do Brasil, alguma necessidade de zoneamento pode existir, porém sem dramas: cana específica para o álcool ocupa, hoje,1% da área agricultável, sem incluir florestas. Pode ter sido só coincidência, mas no dia seguinte a Opep afirmava que o álcool vai encarecer o petróleo porque diminuirá o interesse na prospecção de novos poços.

Intimidações à parte, o fato é que o etanol ainda tem um longo caminho a percorrer até se tornar uma commodity. Nem ao menos as especificações técnicas do produto estão internacionalizadas. Representantes do governo federal voltaram a discursar sobre estoques reguladores, quando o ideal seria o mecanismo de bolsa para aplainar flutuações de preços. Agora mesmo, o álcool já está sendo vendido por menos de R$ 1,00/litro no interior de São Paulo. Este será um ano bastante favorável ao consumidor nos postos.

Os produtores estão investindo para produzir o dobro na mesma área por meio de hidrólise ácida ou enzimática nos próximos três a dez anos. Álcool de celulose trará rentabilidade e mecanização crescente no lugar da colheita manual que exige queimadas. O setor, durante a Cúpula, assinou protocolo para antecipar em 14 anos o fim das queimadas previsto em lei estadual.

No campo técnico dos motores flex discutiram-se temas interessantes. Francisco Nigro, do IPT, previu grandes avanços em desempenho e consumo, quando os sistemas de controle eletrônico de comandos de válvulas tomarem as características do álcool. Ele não comentou sobre marcas, mas a coluna lamenta que Honda e Toyota nada fizessem nesse sentido, mesmo tendo os recursos i-VTEC e VVT-i já disponíveis.

Em compensação também há uma idéia descartável, sem pensar muito. Sugestão para adicionar 15% de gasolina ao álcool (E85), como se faz no exterior para eliminar o sistema de partida a frio com tanquinho auxiliar, não se sustenta no Brasil. Lá fora há uma lógica econômica porque a gasolina é mais barata que o álcool. Aqui ao contrário, encareceria a mistura. Além de se perder 15% da vantagem ambiental e de desempenho do álcool, ocorreria estímulo a fraudes. Basta “esquecer” de adicionar gasolina ao etanol puro para gerar bom lucro e os motores não partirem no inverno. A solução definitiva – partida elétrica só com álcool – está um pouco atrasada. A conferência atingiu os objetivos e merece ser repetida, quem sabe convidando a Opep…