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Kansas, centro da revolução do etanol nos Estados Unidos

Essa é a primeira de uma série de cinco reportagens sobre o produtivo “velho Oeste globalizado”. Se você pensa que o Kansas, o centro geográfico dos Estados Unidos, é um lugar plano, cheio de ventos (e tufões), imerso em criações de búfalos e plantações de milho, cheio de cowboys ou berço da pequena e curiosa Dorothy, do Mágico de Oz, acertou.

O difícil é conceber que o Kansas, justamente por ser plano e cheio de ventos, é onde mais se fabricam aviões em todo o mundo, onde se produz mais carne e trigo nos Estados Unidos, é um dos maiores destinos de estudantes universitários estrangeiros e, surpreendentemente, um dos centros da revolução do etanol no Meio Oeste americano.

Aqui onde se pode assistir um “coiote fugindo durante quatro dias”, como brincam os locais, está o reverso de tudo que os brasileiros sonham com o mercado externo. Uma espécie de choque de realidade do mundo competitivo e tecnológico que o Brasil terá de enfrentar para, um dia, se incorporar de vez à globalização.

Ao invés de comprar aviões da Embraer, por exemplo, o Kansas vende centenas de jatos executivos e monomotores para o segundo maior mercado do mundo, o Brasil. Ao invés de comprar produtos agrícolas brasileiros, é um dos maiores vendedores de carne processada para a América do Norte e a Europa. E, ao invés de comprar etanol para mover os automóveis, querem ser independentes: “Não precisamos de vocês”, diz Leon Trammell, da Everton Energy. (leia a reportagem, na quarta-feira).

Terra do ex-senador republicano Bob Dole, eqüidistante do Atlântico e do Pacífico, ou do México e o Canadá (um paraíso para o pessoal de logística), o Kansas tem população menor do que o bairro de Pinheiros, em São Paulo (somente 2,6 milhões), mas um PIB de US$ 100 bilhões, quase metade do mais desenvolvido Estado brasileiro.

O Estado, que também ficou famoso por ser a paisagem do livro “A Sangue Frio”, de Truman Capote, exporta quase US$ 10 bilhões anuais para Canadá, México, China, Inglaterra e Alemanha (seus maiores destinos), em produtos de alto valor agregado, como sistemas de posicionamento global, ou commodities como trigo, rações animais, peles, gorduras, óleo de girassol e búfalos. Para o Brasil, exporta apenas US$ 188 milhões por ano em partes de aviões, máquinas e peças para veículos.

O centro dos negócios está mais a Sudoeste, em Wichita, a maior cidade, com 334 mil habitantes, também um lugar que lembra o faroeste, onde se pode ver antigos bancos (hoje transformados em restaurantes), pedestais para amarrar os cavalos, salões onde se toma uísque (de milho) e gordurosos e mal-passados pedaços de bife.

A diferença é que, aqui, além dos jatos, são feitos GPSs (Garmin), cockpits e estruturas de aviões (Spirit), sensoreamento remoto (Raytheon), e operadoras de celulares (Sprint/Nextel). Aqui também está o quartel general de uma das famílias mais ricas do mundo, os Koch, donos do maior conglomerado privado de empresas dos Estados Unidos, com vendas de US$ 106 bilhões previstas para 2007.

À primeira vista distante, desolado e impenetrável, o Kansas tem muito a oferecer para o empresário estrangeiro que quer se instalar nos Estados Unidos. Além de estar “a menos de 24 horas de frete” de qualquer ponto no país, o Estado já foi reconhecido pela revista Forbes como o lugar mais amigável para os negócios nos Estados Unidos.

Tem seis universidades (a maior, a Universidade do Kansas, está na cidade histórica de Lawrence), excelente infra-estrutura de transporte (dois aeroportos internacionais, 2,7 mil milhas de ferrovias e dezenas de freeways) energia barata (tanto elétrica quanto gás natural), extensa rede de telecomunicações, mão-de-obra treinada, custo de vista inferior ao resto do país e, melhor ainda, ajuda do governo.

Na área de impostos, por exemplo, para cada emprego criado o empresário pode ganhar um crédito tributário até US$ 2,5 mil dólares. Além de facilidades fiscais e quase nenhuma burocracia, o governo empresta dinheiro, muitas vezes a fundo perdido, e dá o terreno na hora de atrair investimentos, “mas desde que sejam criados empregos”, diz John Watson, Diretor do Departamento de Comércio do Kansas. Para mostrar como vive, o que produz e como avança economicamente esse Estado americano, a Gazeta Mercantil publica a partir de hoje a série de reportagens “Kansas – O velho Oeste globalizado”.