Responsáveis pela maior parcela da produção mundial de etanol, as indústrias brasileira e americana começaram a enfrentar algumas limitações e a esbarrar em desafios em sua atuação operacional. Em análises feitas ontem durante simpósio da Associação Brasileira das Indústrias de Milho (Abimilho), dois especialistas em temas agrícolas desenharam um cenário difícil para o setor no curto prazo.
Nos Estados Unidos, alertou André Pessôa, sócio da Agroconsult, as usinas estão muito próximas de seu equilíbrio financeiro. No Brasil, os “players” não-tradicionais no setor encaram o desafio de dominar as operações agrícola e industrial para evitar prejuízos, afirmou Marcos Jank, presidente do Instituto do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Mesmo com a volumosa produção de milho nos EUA, projetada em 316 milhões de toneladas na safra 2007/08, as usinas locais vivem um momento de angústia justamente com a oferta da matéria-prima para a produção de etanol. “Se houver uma quebra na safra de milho deles, por menor que seja, a indústria do etanol vai ter prejuízo por causa do aumento de preços da matéria-prima. Isso quase ocorreu há uns meses”, sustentou Pessôa. Com custo de US$ 0,40 por litro, as usinas de etanol dos EUA são competitivas somente com a cotação do bushel de milho a US$ 4,20 centavos e o barril de petróleo a US$ 60. “Se passar disso, algumas indústrias já têm prejuízos”.
Segundo ele, com o milho acima de US$ 4,80 “todos” passam a ficar no vermelho. “Vamos ver o lobby da indústria deles pedindo mais subsídios à Casa Branca”, disse Pessôa. Cada usina, segundo ele, recebe US$ 1,5 milhão de subsídios do governo para funcionar. “Sem subsídios, [de US$ 0,13 por litro] não dá para fazer álcool nos Estados Unidos”. Por isso, afirmou ele, os EUA estão “desesperadamente” em busca do etanol de celulose.
Nome mais cotado para assumir o comando da União da Indústria Canavieira de São Paulo (Unica), Marcos Jank alertou que o entusiasmo brasileiro com o acelerado crescimento da área plantada de cana-de-açúcar pode esbarrar no desconhecimento dos chamados “novos entrantes” no negócio. “É preciso ser conservador para não ceder espaço à ciclotimia, passar da euforia ao desespero no momento de uma safra ruim”, disse. E citou a persistência do “custo Brasil”, resumido na logística deficiente e tributação complexa, além das oscilações na formação de custos de produção.
Ao contrário do consenso estabelecido entre especialistas, Jank afirmou que a cana crescerá nas áreas de soja e milho, e não nos espaços de pastagens degradadas. “A cana vai crescer em cima de milho e soja, vai empurrá-los para áreas de pastagem e acabar com bolsões de ineficiência”, afirmou. Segundo ele, os biocombustíveis não serão fator de pressão sobre os preços de alimentos e de rações no país.
Sintonizado com as teses do setor que pode passar a comandar, Marcos Jank rejeitou a tese da formação de uma monocultura de cana-de-açúcar no país. “Isso é uma besteira. A cana será elemento de diversificação do uso da terra, sobretudo em áreas de produção de carnes do Centro-Oeste”. Para ele, não haverá a formação de um cartel do tipo “Opep do etanol”, mas o Brasil leva clara vantagem sobre os EUA em relação à matérias-primas. “Eles também vão crescer, mas com menos eficiência”. (MZ)