O líder cubano, Fidel Castro, encontrou nos biocombustíveis uma nova cruzada contra seu antigo inimigo Estados Unidos e, segundo analistas, pode também ter achado um novo papel estratégico após oito anos enfermo.
Castro, de 80 anos, transferiu o poder a seu irmão Raúl em 31 de julho passado, depois de uma cirurgia de emergência.
Segundo o governo cubano, o líder da revolução de 1959 melhorou e poderia reincorporar-se logo à vida pública. De que maneira? Essa é a incógnita.
A publicação nos últimos 10 dias de dois editoriais criticando os EUA pelos planos de usar alimentos como o milho para produzir biocombustíveis sugere, para alguns, um futuro papel como consciência do Terceiro Mundo.
“É um homem muito inteligente e o que está dizendo sobre os riscos do etanol é verdade”, comentou Raquel, uma funcionária de 55 anos. “Na minha opinião, seria melhor que, a partir de agora, se concentrasse nesses temas internacionais e deixasse o governo com Raúl.”
Castro escreveu o último editorial na terça-feira, enquanto Raúl recebia no Palácio da Revolução de Havana o chanceler espanhol, Miguel Angel Moratinos, a maior autoridade européia que visitou a ilha em quatro anos.
Sua tese é simples: a insaciável sede de combustível da sociedade de consumo norte-americana privaria de alimentos 3 bilhões de pobres no mundo.
Frank Mora, um especialista sobre Cuba no National War College em Washington, acredita que hoje é mais possível do que nunca um papel como “pensador estratégico” sobre problemas globais.
“Continuará sendo uma figura central em temas estratégicos… mas será menos importante no governo, no Partido Comunista e, inclusive, nas mudanças econômicas”, afirmou.
Esta é, na opinião dele, a forma com que Castro concebeu seu papel como estadista durante os quase 50 anos no poder.
“Só que agora fará de forma diferente: através de editoriais, entrevistas e, se sua saúde permitir, discursos em fóruns globais de onde tentará continuar sendo a voz dos ignorados”, acrescentou.
Para Brian Latell, ex-analista da CIA que estudou durante décadas a personalidade de Castro, os editoriais de 29 de março e 4 de abril sugerem que, talvez, “ele esteja assumindo um novo papel emérito como veterano estadista”.
CRÍTICA TAMBÉM AO BRASIL
O uso de biocombustíveis como alternativa ao petróleo é crucial na agenda dos EUA na América Latina. Em seu segundo editorial, Castro criticou também o Brasil, pioneiro na produção de etanol com cana-de-açúcar.
“Fidel está consciente de que os EUA estão usando os biocombustíveis para fortalecer suas relações com o Brasil e, implicitamente, limitar a visão hemisférica representada por Cuba e Venezuela”, disse Dan Erickson, especialistas sobre Cuba no Inter-American Dialogue, em Washington.
O jornal do Partido Comunista de Cuba, Granma, informou esta semana que até o jornal The New York Times recorreu à condenação de Castro ao uso de milho para produzir etanol.
A revista britânica The Economist afirmou que o líder cubano “tinha razão” e o mesmo foi escrito pelo analista argentino Andrés Oppenheimer, um duro crítico de Castro, no jornal The Miami Herald.
PENSANDO NA HISTÓRIA?
Mas segundo Mora, do National War College, é improvável que muitos outros governos recusem os biocombustíveis como alternativa ao petróleo.
“Mas ele está colocando o problema em termos de pobreza e segurança alimentar. Isso lhe dará certa popularidade e seguidores entre os setores mais populistas da América Latina”, disse.
Segundo o analista, também é habitual que um líder mundial pense em seu legado histórico na fase final da vida. “É bem possível que seus editoriais sejam o começo de uma campanha para reforçar e afiançar seu legado, que, segundo sempre disse, era sobre os pobres e os desamparados”, avaliou.
“Quem sabe ele esteja pensando no que dirão os historiadores no dia em que morrer.”