Existem códigos simbólicos na diplomacia americana. Ser recebido pelo presidente dos Estados Unidos na Casa Branca é sempre bom. Mas conceder a entrevista coletiva na sala de imprensa significa pouco. Falar nos jardins, ao contrário, indica prestígio. E melhor ainda é penetrar na intimidade do poder. Para isso, é preciso ser recebido em Camp David, a residência de campo dos chefes de Estado americanos, a pouco mais de uma hora de Washington. Foi lá, por exemplo, que Dwight Eisenhower e o britânico Winston Churchill traçaram planos durante a Segunda Guerra. Foi também em Camp David que Jimmy Carter patrocinou um acordo de paz entre Egito e Israel, em 1978. Quando as portas de Camp David se abrem num fim de semana, como no encontro deste sábado 31 entre os presidentes Lula e George W. Bush, a oportunidade é única. “Isso significa que o Brasil está sendo alçado ao topo da agenda dos Estados Unidos”, disse à DINHEIRO Brian Dean, braço direito de Jeb Bush, ex-governador da Flórida e irmão do presidente americano. Em Miami, Brian criou a ONG Help Fuel the Future, que visa promover o uso do etanol em todo o continente. “O biocombustível será um fator de integração das Américas, porque atende a interesses econômicos, sociais, geopolíticos e ambientais”, diz ele. Não por acaso, foi essa a razão principal da visita de Bush ao Brasil há três semanas, quando se assinou um memorando de entendimentos para a criação de um mercado pan-americano de etanol.
Embora essa seja a pedra de toque do encontro, Lula e Bush discutiriam uma agenda bem mais ampla em Camp David. Um dos temas já definidos é o Haiti, onde o Brasil lidera a força de paz com 8,8 mil soldados. “Vamos traçar planos comuns para fortalecer a economia haitiana”, disse Lula antes de embarcar. De Washington, Bush sinalizou que também está disposto a avançar num tema importante: o dos subsídios agrícolas, que consomem dezenas de bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos. “Vamos trabalhar juntos para abrir mercados, ao mesmo tempo que lidamos com as preocupações do Brasil com as nossas questões agrícolas”, disse Bush, num encontro com criadores de gado norte-americanos. Curiosamente, os Estados Unidos ainda são um país fechado à carne in natura brasileira. Mas o sinal mais evidente de que o presidente está 100% focado na questão energética ocorreu na segunda-feira 26. Bush recebeu os presidentes das três montadoras americanas – GM, Ford e Chrysler – e cobrou providências para a adoção de veículos flex fuel. No encontro, Bush citou a experiência do Brasil, onde mais de 80% dos carros já saem das linhas de produção com motores bicombustíveis. “Nós temos muito a aprender com o Brasil”, diz Brian Dean. “E o nosso maior problema é a distribuição.” Nos Estados Unidos, existem 170 mil postos de gasolina, mas apenas 1.094 vendem a mistura E-85, que tem 15% de gasolina e 85% de etanol.
Tudo isso, porém, deve mudar. Na segunda-feira 2, após o encontro de Camp David, haverá um grande seminário em Washington, organizado por Brian Dean, com a participação de Jeb Bush, do ex-ministro Roberto Rodrigues e de Luís Alberto Moreno, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. “Virão grandes empresários e líderes políticos, que estão olhando de perto a questão do etanol”, diz Dean. No Brasil, os empresários também estão atentos às novas oportunidades e convenceram Lula a criar um “Fórum de CEOs”, que irá assessorar o presidente na discussão de temas bilaterais com os Estados Unidos. Dele fazem parte nomes como Jorge Gerdau, José Cutrale e Maurício Botelho (leia quadro ao lado). “O governo tem finalmente a chance de elevar o Brasil à categoria de líder regional”, diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor da Fiesp. Nos últimos três anos, o Brasil acumulou superávits comerciais de quase US$ 30 bilhões com os Estados Unidos. Nos primeiros dois meses deste ano, já há um saldo de quase US$ 1 bilhão. São números respeitáveis, mas que podem se tornar até pequenos se essa nova economia movida a etanol de fato deslanchar.