Mercado

Um país rumo ao neolítico

O álcool [como energia, e não como bebida] está em alta e na agenda de todo mundo, inclusive na do encontro Bush-Lula. Prato cheio pra todo analista falar das vantagens competitivas do Brasil no setor, sem saber exatamente o que são tais vantagens e quais são elas, aqui, no momento. Nossa única vantagem, agora, é o domínio da tecnologia e das inovações do álcool-energia acima da média dos outros países, inclusive dos americanos, tipo de diferencial que eles passarão a ter em três ou cinco anos, em relação a todos os outros países, se investirem de verdade no negócio, como têm feito em várias áreas da economia. A América está preparada para competir e, decidindo fazê-lo, põe [muito] dinheiro, sem entraves, estimula a criatividade e a inovação, cria mercados, exporta pro mundo…

Para o Brasil continuar competitivo no setor de bioenergia, tem que investir, e muito, em formação de capital humano, pesquisa, desenvolvimento, tecnologia, inovação e no fomento às empresas daí derivadas. exatamente tudo o que não fazemos, ou fazemos disso um simulacro tão medíocre do que deveria ser a realidade que, às vezes, até dá pena. Dá pena ver o que empresas nacionais, de alta intensidade tecnológica, têm que fazer para continuar competitivas, tal é a escassez de recursos, planos e políticas federais para sua sobrevivência. Sim, pois em tecnologia, sobreviver é quase uma conseqüência da inovação contínua, quase paranóica. Isso — a paranóia — é bem presente lá na América, seja no governo de Bush ou em qualquer outro. É por isso, aliás, que ele esteve aqui.

No Brasil, é muito interessante ouvir ex-ministros, como Roberto Rodrigues [que era da Agricultura], defendendo [fora do governo] que o país tem que criar fundos de investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação, e estimular empresas de tecnologia [no caso dele, falando de bioenergia, de álcool], sem o que “nossas” meras plantações serão apenas uma nova forma de domínio de nosso território e capital humano pelo capital, investimento e conhecimento situados em outros lugares, para onde irão, por sinal, os lucros. Difícil é encontrar, fora do Ministério de Ciência e Tecnologia dos últimos 25 anos de presidentes da República, algum ministro em exercício que defenda a redução de gastos em “inauguráveis” para ter recursos disponíveis para investigação, descoberta e melhoria de processos e produtos e sua colocação no mercado. Coisa difusa, inespecífica, de longo prazo. Coisa da modernidade. Coisa que os EUA, com ou sem Bush, fazem muito bem E com diheiro público, aos montes.

Nos negócios de [e com] tecnologia, o país é primário, a ponto de um certo ministro de Estado ter dito publicamente, em visita presidencial na Índia, que os “nossos países têm economias complementares: nós temos agricultura, vocês têm software…”. Parece piada, mas não foi. Os indianos adoraram: Brasil diz que nós somos tecnologia e eles são agricultores. Fomos pro neolítico.

Agricultura, no sentido clássico do termo, é e será uma commodity para sempre; a diferença serão as sementes, processos e máquinas para torná-la muito mais produtiva, que serão domínio de uns poucos. Dos que investiram e investirão bilhões de dólares para serem diferentes, pra serem mais competitivos.

Achar que “nós temos agricultura”, como se isso fosse para sempre, e ainda mais frente a uma crise ambiental nunca dantes imaginada, é caminhar às cegas e surdas para o precipício do fim dos tempos, desistindo das coisas complexas [que dão resultado] e achar que aqui “em se plantando, tudo dá”. Pois bem. Perdido no tempo, o Brasil está qual o vagabundo de Chaplin imerso nas engrenagens de um mundo que não entende e que o consome e, no topo, ainda faz piada disso. Patético. Ridículo.

Mas sejamos otimistas: tomara que a idéia do ex-ministro Roberto Rodrigues, fora do governo, seja entendida por quem está dentro e se volte a achar, como talvez se achasse nos tempos de Juscelino, que um país é um longo, muito looongo prazo. E que sem tempo, gente e recursos, não iremos a lugar algum, continuando como hoje: espremidos.