Mercado

EUA querem ver cartas na mesa para anunciar corte em subsídios

A representante dos Estados Unidos para o Comércio (USTR), Susan Schwab, insistiu ontem em São Paulo que seu país não apresentará um ajuste na oferta de cortes de subsídios aos agricultores antes que os demais parceiros da Organização Mundial do Comércio (OMC) exponham as cartas sobre a abertura de seus mercados agrícolas. Ao lado do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, com quem se reuniu por quase três horas num hotel de São Paulo, Susan mostrou-se preocupada com o risco real de a Rodada Doha fracassar, nos próximos meses, devido à ausência de um acordo ambicioso e equilibrado para os limites dos subsídios agrícolas.

Diante da imprensa, os dois negociadores mostraram-se bastante à vontade para repetir as máximas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre Doha. Além da referência ao jogo de cartas, Susan lembrou que teve de se trancar em uma sala com Amorim, por ordem dos presidentes, para tratar da Rodada. Precavido, o chanceler brincou que não estavam sozinhos.

Ao lado de Bush, anteontem, Lula havia recomendado – e Bush concordou com a idéia – que Amorim e Susan fossem trancados em uma sala com a missão de avançar nas negociações. Em outro momento, comentando a necessidade de um acordo, Lula disse também que brasileiros e americanos deveriam alcançar o ponto G, referindo-se a um acerto equilibrado sobre ofertas e demandas.

Eu já disse publicamente que estamos dispostos a fazer um ajuste na oferta sobre subsídios domésticos quando houver mais acesso a mercados colocado na mesa, afirmou Susan, depois de insistir nas boas qualidades da proposta de outubro de 2005, que foi considerada insuficiente pelo Brasil e por outros parceiros.

Se não conseguirmos um resultado nessa janela de oportunidade, vamos arriscar o futuro da Rodada Doha e atacar para outras coisas. Não queremos assumir o risco de, daqui a dois ou três anos, nos reunirmos novamente para tratar da Rodada, completou. A rigor, a janela de oportunidade deveria fechar-se em abril deste ano.

No encontro, porém, tornou-se claro que esse prazo vai estender-se até o final de maio. Para os negociadores brasileiros, se não houver um pré-acordo sobre agricultura até o fim do semestre, a Rodada não prosseguirá, por desgaste da vontade política dos principais parceiros da OMC.

O ministro Amorim foi claro, ontem, ao apontar essa ameaça para as negociações. O risco é os líderes se cansarem. E a opinião pública, que influencia os líderes, também, afirmou. Seria lamentável porque estamos muito perto de um acordo. Não vejo ninguém apostando no fracasso. Se há um caminho de 100 a percorrer, já passamos por 80 e seria lamentável perder (a Rodada) por causa de 20.

O primeiro foco de atenção dos Estados Unidos e do Brasil nas próximas semanas será a decisão a ser tomada pelo G-33, grupo de economias em desenvolvimento liderado pela Índia e Indonésia, sobre sua real oferta de abertura agrícola. Esse grupo, que estará reunido no próximo dia 17 em Jacarta, insiste em manter uma larga lista de itens agrícolas protegidos, na condição de produtos especiais e por meio de salvaguardas.

Sua decisão terá impacto na coesão do G-20, outro grupo do mundo em desenvolvimento, que atua nas discussões agrícolas e é liderado por Brasil e Índia. Mas terá efeito ainda pior. Se mantida a posição original do G-33, dificilmente os EUA terão margem política interna para propor um corte mais profundo nos seus subsídios agrícolas.

A contrapartida exigida pelo setor agrícola americano para esse corte é justamente o maior acesso a mercados – não só da União Européia, mas sobretudo de economias em desenvolvimento que são importadoras líquidas de itens agrícolas.

Os americanos mantêm sobre a mesa a proposta de teto de US$ 22,5 bilhões ao ano para os subsídios domésticos. Nos últimos anos, concederam cerca de US$ 20 bilhões. Para o período de 2007 a 2012, está previsto o dispêndio médio de US$ 17,4 bilhões ao ano. A União Européia exige que esse teto seja de até US$ 15 bil hões. O G-20 quer US$ 12 bilhões. Sem a oferta de corte mais fundo por parte dos EUA, Doha jamais fechará.

EMPRESÁRIOS

Depois da reunião com Amorim, Susan seguiu para seu segundo encontro com líderes empresariais, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), com a presença do presidente da entidade, Paulo Skaf, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues e o presidente do Grupo Cutrale, José Luis Cutrale, entre outros. Não houve grande avanço. Para nós, ficou claro o que eles querem, mas não ficou claro se eles aceitam o que nós queremos, comentou Skaf, referindo-se às propostas apresentadas em relação às tarifas industriais.

O presidente da Fiesp afirmou que a ambição demonstrada pelos americanos para resolver as questões de tarifas industriais não apareceu na mesma proporção quando o assunto foi a agricultura. Gostaríamos de saber como ficam os US$ 20 bilhões de subsídios que o país dá aos seus produtores. Isso não ficou claro. Também não ficou claro como fica a situação do açúcar, cuja tarifa é de 150%, do suco de laranja, de 40%, e etanol, de 46%, reclamou Skaf.

Segundo ele, não adianta fazer parceria para troca de tecnologia na produção do álcool se o produto não tiver acesso ao mercado americano.