“A grande lição econômica deste século é que o protecionismo asfixia o progresso e mercado livre cria prosperidade.” – George Bush (pai)#
Se o documentário ambiental “Uma verdade inconveniente” foi agraciado com dois Oscar, o encontro dos presidentes Bush e Lula é uma incontestável oportunidade de negócios e uma colaboração Norte-Sul jamais vista em toda a nossa história. É o momento ímpar de enfrentar a quatro mãos a insegurança energética, combater a pobreza e reforçar a proteção ambiental. Se no passado afirmávamos que na América Latina o que a geografia uniu, a história desuniu, a nova geopolítica da agroenergia pode beneficiar inúmeros países e aproximar interesses até então conflitantes. Além do mais, reforça que a melhor arma para combater a pobreza é criar riquezas. Em 2005, o custo de importação do petróleo para as nações em desenvolvimento aumentou em 100 bilhões de dólares, representando muito mais do que toda a ajuda oferecida por todas as nações industrializadas. Já a questão do etanol e do biodiesel poderá proporcionar a qualquer país latino-americano a possibilidade de produzir o seu próprio combustível e reduzir tremendamente a distância entre os ricos e os pobres. Não temos atualmente nenhuma outra alternativa viável e de curto prazo como essa descortinada pelo álcool. É realmente como se a nossa “Alca se transformasse em Álcool”.
De nossa parte temos consciência de que a América Latina perdeu não o bonde, mas o jato da história. Quando Hernán Cortes chegou ao planalto americano, encontrou uma cidade maior que Londres, mas não tivemos a compreensão no passado de que a humanidade não progrediria devido às novas ideologias, mas sim no desenvolvimento de novas tecnologias. Se, em 1968, no auge da febre estudantil, Nelson Rodrigues afirmava que “ser anti-americano é chique e dá mulher”, hoje entendemos que o tempo é o maior crematório de ideologias. A cegueira ideológica é mais grave do que a biológica, pois uma não deixa ver, já a outra impede de pensar. Mas, aprendendo a ler o livro da História, hoje o Brasil pode oferecer mais de 40 anos de envolvimento, produção, distribuição, pesquisa e inovações tecnológicas com um “petróleo limpo e renovável”. E não somente isso, pois enquanto a maioria dos países tornou terras férteis em inférteis e degradadas pelo uso intenso do homem, o Brasil caminhou na direção inversa ao recuperar áreas inóspitas como a do Cerrado para torná-las fonte de geração de riquezas, garantindo uma imensa e nova fronteira agrícola para uso na agroenergia sem atingirmos a Amazônia.
Do lado norte-americano, são incompreensíveis seus atos que permitem a livre circulação de um petróleo sujo ambientalmente, produzido em regiões instáveis e geograficamente concentrado, enquanto inibe e impõe tarifas elevadas sobre um combustível limpo, renovável, socialmente includente e de ampla geração de riquezas em todo o nosso continente. Se o foco realmente for o consumidor, o presidente Bush poderá estar dando a arrancada para nos prepararmos para um mundo sem petróleo, mais justo e equilibrado. Será que teremos um “amigo nos EUA” com essa injustificável tarifa de 0,54 dólares por galão de álcool brasileiro que adentra o mercado norte-americano? Como o Brasil exportou para lá em 2006 1,7 bilhões de litros, o tesouro americano abocanhou com essa taxa 250 milhões de dólares, que deixaram de circular no interior brasileiro. É o momento de mudarmos o antigo ditado americano de não “seguirmos o dinheiro”, mas seguirmos os novos rumos da energia renovável, pois a riqueza de uma nação não pode existir como fruto da pobreza de outras nações.
Os desafios deste século são imensos, mas sabemos que a humanidade tem conseguido superar obstáculos, antes inimagináveis, com o uso do conhecimento. A economia chegou a ser chamada de “ciência sinistra” na crise de energia do século 19, por ocasião da diminuição da oferta de baleias e o conseqüente aumento no custo da iluminação. Semelhantemente, os últimos relatórios ambientais causam espanto e perplexidade, mas ao mesmo tempo criam um patriotismo planetário nunca antes exercitado. O mundo detesta mudanças ou alterações de rota, mas é a única coisa que traz progresso e esperança. A somatória dos esforços brasileiros e americanos pode liderar a mudança da matriz energética em escala mundial. E não apenas no biocombustível em si, mas nas aplicações dessa biomassa em outros setores, como o alcoolquímico: enquanto o plástico de álcool se decompõe rapidamente no meio ambiente, sem causar impacto negativo e apenas em 6 meses, o plástico de petróleo precisa de longos 100 anos. Ou será futurista demais imaginar que não teremos mais carros movidos a gasolina nos próximos 30 anos?
Esse é o desafio. Quem sabe não seja a semente pelos EUA de um novo Plano Marshall Ecológico? Afinal, um antecessor de Bush, o presidente F. Roosevelt, afirmou que “na América as nações já conheceram as alegrias da independência; têm agora que aceitar as responsabilidades da interdependência”.
Antonio Cabrera foi ministro da Agricultura e Reforma Agrária (Collor) e secretário da Agricultura do Estado de São Paulo (Covas).