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Para liderar é preciso organizar

Toda unanimidade é burra, a irreverente frase de Nelson Rodrigues, sintetiza o que sentimos em relação ao fato já consumado ou ainda realidades a serem construídas. A agroenergia é a grande vedete no momento e não poderia ser diferente. Com o nosso País despontando como o grande catalisador e produtor de todas as formas de energia renováveis de combustíveis a energia elétrica, a produção de energia a partir da atividade agrícola virou unanimidade.

Mas, então, por que falar de Nelson Rodrigues? Porque a unanimidade, às vezes, fica cega e pode levar a equívocos, na sua maioria, irreversíveis. Este é o grande cuidado que devemos tomar neste momento de apresentação e desenvolvimento da nossa caminhada rumo a agroenergia e de levá-la ao mundo. Antes de mais nada, esta transição é lenta. Para chegarmos ao patamar de custos de produção e de excelência tecnológica na produção de álcool combustível, tivemos uma curva de aprendizagem que dura mais de 30 anos e ainda padecemos de deficiências. Estas se concentram depois da porteira da fazenda ou do portão da usina.

Não estabelecemos ainda uma logística de distribuição eficiente, os ciclos de armazenagem de álcool ainda engatinham e o Governo não estabeleceu regras claras para equilíbrio entre exportação e consumo interno de modo a garantir as duas coisas e mais preço balanceado entre a safra e entressafra.

Olha que esta desconfiança e pequenas deficiências do sistema álcool combustível são aparentes num momento de vacas gordas. Com o barril do petróleo acima de US$ 50, tudo é alegria, ganha a indústria e ganha o produtor. Em São Paulo, maior produtor e exportador de cana, álcool e açúcar do País e do mundo, a expansão da área de cultivo da cana cresce a uma média de 10% a 12% ao ano, hoje temos 4,25 milhões de hectares. A paisagem rodoviária de regiões como o sudoeste do estado, tradicionais produtoras de grãos, incorporou agora os treminhões, até então veículos característicos de Ribeirão Preto, Piracicaba e Jaú.

Em São Paulo, já tomamos o cuidado. Não há como evitar que o produtor migre para uma cultura que lhe dá mais rendimento e no momento, a cana é imbatível. O que a Secretaria de Agricultura faz é criar políticas de indução para a diversidade de cultura. Aproveitamento das áreas de rebarbas da cana, com alta declividade e sem possibilidade de mecanização da colheita, para o desenvolvimento de culturas alternativas como ovinocultura, confinamento bovino, seringueira, e fruticultura. Cada região agrícola pode e deve se aproveitar da cana, sem esquecer outras vocações. Sem escapar da globalização, é preciso apostar na regionalização.

Isto é válido para cana e deve ser a norma a reger as políticas públicas para desenvolvimento da agronergia. Se iremos produzir biodiesel a partir de mamona, óleo de dendê, soja, pinhão manso, mandioca ou nabo forrageiro, isto não pode vir num pacote fechado pelo Governo Federal e sim em pacotes regionalizados, com a peculiaridade fundiária, edafoclimática e de logística de industrialização de cada região. Assim como, os subsídios a serem oferecidos por estas políticas públicas precisam ser adequados sem privilegiar, sem ideologizar a questão.

Além da produção em si, o Brasil precisa ser exportador de tecnologia na produção, na distribuição e na comercialização destes produtos. No caso do álcool combustível já estamos muitos passos a frente de qualquer outro país, por isto a aposta não deve ser nos crescentes hectares de cana plantada, mas na criação de pólos de tecnologia na fabricação de máquinas, implementos, desenvolvimento de variedades de cana adaptáveis a outros países, construção de dutos, gerar empregos tecnificados e estabelecer parcerias internacionais vantajosas neste sentido ao País.

Liderar e ser sinônimo da concepção de agroenergia custará ao Brasil um poder de organização e capacidade de criar políticas estratégicas até então não demandadas de nós, mas chegou a hora. O caminho percorrido pelo álcool deve balizar os desafios da agroenergia, mas não deve ser o modelo.

Devido a complexidade de produção e as dimensões continentais agrícolas brasileiras, a agroenergia implicará em um pouco mais do que políticas assistencialistas governamentais ou corporativismos industriais monocultores, as duas trilhas podem levar-nos a equívocos grandiosos e a perdermos mais uma vez a oportunidade histórica do pioneirismo em produzir energia a partir da produção do homem tão somente, com a natureza como aliada e não como parte a ser explorada.

Retorno ao tema de Nelson Rodrigues, mas com uma ressalva, a unanimidade só é burra quando também é cega ou curta das idéias.