Mercado

Embaixadores do etanol

O dia 18 de dezembro de 2006 foi especial para o paulista Marcelo Junqueira. Nessa data, a Clean Energy Brazil (CEB), empresa da qual foi um dos idealizadores, lançou ações na bolsa de valores de Londres e captou o equivalente a 400 milhões de reais. Foi um resultado extraordinário, já que a CEB só passou a existir de verdade após a abertura de capital — até então, havia apenas um projeto de investir em usinas brasileiras de álcool, açúcar e energia gerada por meio de bagaço de cana. O papel de Junqueira foi fundamental para o sucesso da operação. Na fase que precede o lançamento das ações, ele foi responsável por explicar a 65 investidores ingleses e americanos como funciona o setor no Brasil, além de convencê-los do enorme potencial da atividade no mundo. Parte do dinheiro captado pela CEB está prestes a chegar ao país por meio da aquisição de 49% da usina paranaense Usaciga. O negócio é estimado em 140 milhões de dólares.

Junqueira integra um grupo de profissionais formado por empresários, consultores e executivos que vem propagando mundo afora as oportunidades de negócios e os benefícios ambientais relacionados ao etanol. São pessoas que atuam como verdadeiros embaixadores extra-oficiais do álcool brasileiro. Formado em engenharia agronômica e pertencente a uma tradicional família do setor sucroalcooleiro, Junqueira desenvolveu em 2001 uma metodologia para o cálculo da redução da emissão de gases causadores do efeito estufa na geração de energia elétrica por meio do bagaço de cana. A metodologia, criada durante seu mestrado em administração de empresas, foi aceita pela Organização das Nações Unidas como a primeira a ser utilizada na comercialização de créditos de carbono (certificado que comprova a não-emissão de poluentes que danificam a camada de ozônio). Esse trabalho gerou inúmeros convites de palestras internacionais e contatos valiosos. Foi assim que o Numis, banco de investimentos inglês, procurou-o com a idéia de criar a CEB. “Eles queriam investir na cadeia de cana e precisavam de alguém que conhecesse o setor”, diz Junqueira.

Marcelo Junqueira

EMPRESÁRIO, é formado em agronomia e mestre em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo

Foi um dos fundadores da Clean Energy, empresa inglesa criada para investir em usinas de álcool e açúcar no Brasil. A empresa abriu o capital no final de 2006 e levantou 100 milhões de libras na bolsa de Londres. Sua tese de mestrado resultou na primeira metodologia reconhecida pela ONU para o cálculo de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção de energia elétrica com bagaço de cana

O interesse que o etanol brasileiro desperta em investidores como o banco inglês cresce na mesma proporção que aumenta a desconfiança causada pela atual matriz energética mundial. “O uso do etanol é uma das poucas estratégias disponíveis e aplicáveis para resolver dois grandes problemas da humanidade: encontrar um substituto para o petróleo e diminuir as emissões de gases poluentes”, afirma o consultor Plinio Nastari, outro legítimo embaixador do etanol. Apenas no ano passado, ele fez 30 viagens a países como Suíça, Inglaterra, Estados Unidos e Japão, todas para falar do etanol. Nastari é considerado um dos maiores especialistas mundiais em negócios relacionados a açúcar e álcool. Durante sua recente visita ao Brasil, Al Gore, ex-candidato à Presidência dos Estados Unidos e uma das principais vozes da causa ambiental, pediu uma conversa privada com Nastari para tirar uma dúvida. Queria saber se a expansão do etanol faria com que as plantações de cana avançassem sobre a floresta Amazônica. Nastari foi ao encontro e explicou prontamente que não. Primeiro, porque o ambiente amazônico não é propício ao cultivo de cana. Segundo, porque essa cultura não requer grandes extensões de terra. “O país pode dobrar a produção de etanol sem ter de avançar um milímetro sobre áreas preservadas”, diz Nastari.

Nastari também recebeu diversos tipos de honras nos Estados Unidos por causa de seus trabalhos relacionados ao desenvolvimento de álcool combustível naquele país. Em uma mesinha de canto em seu escritório em São Paulo, é possível vê-lo numa foto ao lado de ex-governadores de Nebraska e Wisconsin, tirada no período em que prestou consultoria a governos americanos da coalizão pró-etanol, de 1986 a 1992. Também foi premiado na Casa Branca pelas contribuições que deu ao desenvolvimento do etanol como combustível para aviação. Hoje, a maioria dos aviões agrícolas americanos funciona a álcool. O país também tem a maior frota de carros a álcool do mundo — mais de 6 milhões, o dobro da brasileira.

Plinio Nastari

CONSULTOR, é formado em administração de empresas e doutor em economia agrícola pela universidade americana de Iowa

Foi um dos principais consultores da coalizão de governadores americanos que defenderam a adoção do álcool como combustível nos Estados Unidos. Foi premiado na Casa Branca pela contribuição ao desenvolvimento do etanol para uso na aviação. Apenas em 2006, fez 30 viagens internacionais a convite de governos, empresas e bancos para apresentações sobre o etanol e o potencial de negócios no setor

A produção de combustíveis e de energia limpa é uma imensa janela de oportunidades aberta ao Brasil. As exportações mais que quintuplicaram de 2003 a 2006 e já são de 3,5 bilhões de litros. As vendas tendem a crescer muito se a União Européia anunciar aumento de 5,75% para 10% na meta de substituição de combustíveis fósseis por renováveis até 2020, como se especula. O Brasil tem chance de se firmar também como principal exportador de tecnologia, equipamentos e serviços para países que venham a produzir o insumo localmente. A julgar pelo interesse de estrangeiros que vêm procurando a Dedini — maior fabricante brasileira de equipamentos para usinas –, há grande chance de que isso ocorra. “Recebemos em média uma delegação estrangeira por semana”, afirma José Luiz Olivério, vice-presidente da Dedini e um experimentado embaixador do etanol brasileiro. Em 2001, Olivério ingressou em um grupo formado por brasileiros e alemães em prol da utilização de etanol como alternativa aos combustíveis fósseis. No ano passado, ele formulou programas de adição de álcool à gasolina para a Austrália e para a África do Sul. O trabalho já gerou frutos. Um grande produtor australiano encomendou o projeto de uma sofisticada usina que está em fase de orçamento.

Silverio Bonfiglioli

PRESIDENTE da Magneti Marelli, fabricante de autopeças pertencente ao grupo Fiat

Visitou a China, os Estados Unidos e vários países europeus para divulgar o uso do álcool como combustível. Dentro da corporação italiana, foi um dos patronos do projeto de motores flex no Brasil.Hoje , a subsidiária brasileira é a base global da Magneti Marelli para o desenvolvimento de sistemas para combustíveis alternativos e trabalha em projetos de carros com motores flex para a China, os Estados Unidos e a Europa

Para que o etanol ganhe o mundo, será preciso convencer mais países a ter uma frota movida a álcool. Embora apenas os mercados brasileiro e americano trabalhem com carros a álcool em larga escala, todas as grandes montadoras já anunciaram projetos de modelos multicombustíveis. Reside aí uma das principais vantagens competitivas do Brasil. “Estamos desenvolvendo carros para a China, para os Estados Unidos e para a Europa”, afirma Silverio Bonfiglioli, presidente da subsidiária brasileira da italiana Magneti Marelli, fabricante de sistemas automotivos do grupo Fiat. Bonfiglioli foi o patrono do desenvolvimento da tecnologia bicombustível dentro da corporação italiana. “Eu sabia que, se fizéssemos um carro capaz de rodar com álcool e gasolina, reconquistaríamos a confiança do motorista que se decepcionou no passado por medo da falta de álcool”, diz Bonfiglioli. Em 1998, o executivo italiano começou um trabalho de convencimento não só da matriz, mas também dos produtores de cana, de membros do governo e das montadoras. A Marelli ganhou mercado e conquistou novos clientes, como a Ford e uma montadora japonesa. O centro mundial de desenvolvimento de sistemas para combustíveis alternativos da empresa passou a ser Hortolândia, no interior de São Paulo, onde os engenheiros também trabalham no projeto de motores flex para motocicletas. “Várias tecnologias verdes podem vingar, mas o álcool é a mais madura delas”, afirma Bonfiglioli. “Eu sonho que as pessoas abasteçam seus carros com álcool não só por causa do preço, mas porque isso ajuda a reduzir o aquecimento global e impulsiona a economia brasileira e a de outros países pobres”, afirma Nastari. Argumento digno de um diplomata.