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Embrapa investe em expansão do biodiesel

Depois de 17 anos, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) vai ter um novo centro de pesquisa. Sílvio Crestana, diretor-presidente da instituição, atribui essa criação à “nova onda de desenvolvimento que está passando pelo Brasil”. Sem coordenação e preocupação com a certificação do produto, o Brasil poderá ficar de fora dessa que está sendo chamada a civilização da biomassa, diz ele. O presidente da Embrapa, em entrevista à Folha, também falou dos planos para a Embrapa Agroenergia, que está sendo estruturada.

FOLHA – Por que vocês resolveram criar a Embrapa Agroenergia?

SÍLVIO CRESTANA – Em 17 anos, esse vai ser o primeiro centro que a Embrapa cria. Ela já existe na verdade como unidade de pesquisa. Resolvemos fazer isso porque é estratégico para a agricultura e para o Brasil. Diria até para o mundo. A Embrapa também precisa se organizar. Estamos diante de uma oportunidade fantástica para todos. Uma nova onda de desenvolvimento.

FOLHA – O biodiesel não está sendo tratado como uma panacéia?

CRESTANA – Nós, muitas vezes, como costumo dizer, começamos a construir a casa a partir do telhado. Não podemos esquecer a produção de biomassa. Tem que ter sementes, tem todo um equilíbrio a ser encontrado.

FOLHA – O caminho natural será a produção de biodiesel mais a partir da soja?

CRESTANA – Qualquer afirmação hoje é um pouco precipitada. Temos um mapa onde é possível enxergar as vantagens comparativas e competitivas de uma cultura sobre outra. Claramente, no Norte você tem o dendê, no Nordeste, o mamão, a mamona e o pinhão-manso. Tem tradicionalmente a cana já em Pernambuco e Alagoas. Se você vem descendo, para o Centro-Oeste e para o Sul, as opções do biodiesel passam pela soja, pelo girassol, pelo amendoim e pela mamona. A soja foi pensada para alimentação animal e humana. Ela produz só 20% de óleo. Vai ser gerada com isso uma montanha de 80% que não é óleo. Essa massa tem que ser transformada em energia ou em outra coisa. A complexidade é enorme.

FOLHA – Em qual área a Agroenergia vai atuar efetivamente?

CRESTANA – Essa unidade, que no futuro poderá ser tão importante como toda a Embrapa hoje, vai ter um cérebro em Brasília e braços em cada uma das regiões do Brasil.

FOLHA – Vai dar tempo de estruturar tudo isso antes que o tema biodiesel cresça ainda mais?

CRESTANA – As coisas estão acontecendo tudo ao mesmo tempo, essa é a realidade. É um bom sinal, mas não é também. O bom sinal é que essa civilização da biomassa veio para ficar.

FOLHA – A partir de 2008, o uso do biodiesel será compulsório em 2% para os veículos que usam o óleo diesel convencional. A meta de produção será atingida?

CRESTANA – Quanto ao B2 [nome do combustível com 2% de biodiesel e 98% de óleo diesel], vamos precisar de 1 bilhão de litros de biodiesel. As projeções permitem avaliar que vai ser possível cumprir essa meta. Vai depender ainda do crescimento da economia e do preço.

FOLHA – A preocupação ambiental está contemplada nos processos de expansão do biodiesel?

CRESTANA – Esse tem sido um grande quebra-cabeças na Embrapa. O grande jogo é aproveitar os 50 milhões de pastagens pouco produtivas que temos. Nos próximos 30 anos, para atender toda a demanda -e será necessária a produção de 100 bilhões de litros de biodiesel-, precisaremos de 40 milhões de hectares. Temos tecnologia para dar esse salto sem problemas. A questão pega no investimento. Para recuperar 20 milhões de hectares pouco produtivos, são necessários R$ 40 bilhões. Ainda é mais barato derrubar floresta.

FOLHA – A falta de padrão do biodiesel brasileiro não pode gerar problemas na exportação?

CRESTANA – Lá fora, existem duas críticas ao Brasil. A primeira é sobre a falta de garantia de ter o produto, porque uma mesma usina pode produzir álcool e açúcar. Isso é até uma questão de soberania nacional. Grupos de fora estão interessados em comprar terras aqui para eliminar esse problema.

A outra é sobre a certificação. A Holanda, via União Européia, está buscando criar um padrão de combustível renovável. Nisso vão contar as variáveis preço e qualidade e pelo menos mais outras duas: a ambiental (ausência de poluição na água da usina, falta de queimada, preservação da floresta) e a social. Trabalho escravo ou de menores não serão aceitos.

As propriedades que estiverem produzindo fora desses padrões não vão conseguir exportar. Vão fazer o investimento e não vão conseguir vender depois. Temos que nos preocupar com esse desafio da “acreditação” agora também.