Mercado

O preço do desencanto do agricultor

Os preços agrícolas, por várias razões, não param de subir. Convém, no entanto, colocar no topo da lista dos motivos desta forte recuperação de valor de grãos a irrevogável lei da oferta e procura. As sucessivas e recentes altas dos preços refletem a frustração das safras desde 2004, sem esquecer, óbvio, a grave crise de liquidez no campo, devido à permissividade cambial. Fábio Silveira, da RC Consultores, foi objetivo na avaliação do fato: “Era inevitável”.

A tendência de alta, para Silveira, é mais forte no grupo carnes, com grande influência no mercado de grãos. Com a queda das exportações de carne, pelos focos de febre aftosa, e depois pela pressão de baixa na demanda do mercado mundial de carne de aves, oferta e procura desses produtos se desequilibraram. A redução dos plantéis, desde meados do ano passado, terá forte reflexos na oferta desses produtos no mercado interno. Os preços da carne bovina já começaram a subir, invertendo ciclo de queda.

O resultado da contenção de oferta já aparece no mercado de milho. Não há estoques suficientes para atender à demanda, porque desde 2004 se reduz a área de plantação do grão. A crise de liquidez espantou a decisão de investir em tecnologia e insumos. Entre 2005 e 2006 a queda de venda de colheitadeiras foi de 46%. A Associação Nacional para a Difusão de Adubos estima que em 2006 o consumo cairá 5% sobre 2005, ano em que o consumo de adubos já foi 11% mais baixo que o de 2004. O argumento de que o câmbio valorizado destrói preços do grão exportado, mas também derruba o valor do insumo importado, tem pouca valia porque a decisão de comprar defensivos, por exemplo, é estimulada pela safra forte, e não pelo preço do produto. Desse modo, apesar das altas no milho, trigo e arroz, o analista da RC Consultores prevê que em 2007 o País terá que importar alimentos.

Os efeitos desta alta no processo inflacionário serão sensíveis. A segunda prévia do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) já acusou o movimento de alta de 4,22% no preço da soja. A prévia do IGP – M alcançou 0,24%. Acima da igual prévia do indicador em setembro que atingiu 0,21%. A Fundação Getulio Vargas, responsável pelo índice, usado no reajuste de aluguéis e energia elétrica, por exemplo, só não foi maior pela queda nos preços do atacado nos combustíveis, -2,34%. A segunda prévia do índice, que abarca o período de 21 de setembro até 10 de outubro, sinaliza que o índice cheio do mês de outubro será de 0,30%.

O governo parece distante dessa realidade dos preços no campo, ao menos no que diz respeito à proposta orçamentária para 2007, em discussão no Congresso. A antecipação de R$ 1 bilhão para a comercialização da safra da soja não gerou todo o impacto esperado. Os agricultores estão mais atentos ao fato de que, quando comparados, os orçamentos de custeio e investimento entre os ministérios do Desenvolvimento Agrário e o da Agricultura, o último perde de longe. Enquanto o estímulo à agricultura familiar deverá contar com R$ 3,6 bilhões para investir, os agricultores devem receber para o mesmo fim apenas R$ 950 milhões. Até recursos para defesa agropecuária e seguro rural perderam espaço no orçamento.

Em 2005 a soja foi muito prejudicada pelas condições climáticas em todo o País. Porém, a redução de área plantada será muito mais forte no Centro-Oeste do que no Sul, O motivo vai além da estiagem porque a distância do Centro-Oeste com os portos faz o preço dos produtos subir muito no transporte pelas estradas precárias e até pelas próprias condições de embarque.

É fato que há situações mais favoráveis em algumas áreas do agronegócio. Os produtores de São Paulo, por exemplo, foram menos atingidos pela crise, especialmente pela cana-de-açúcar. Segundo os dados de consumo de defensivos nos nove primeiros meses deste ano, enquanto os produtores de Mato Grosso compraram 26% menos do produto, os de São Paulo, compraram 7% a mais. Apesar destas diferenças, as expectativas dos agricultores não são as melhores. O preço dos produtos agrícolas devem refletir, em poucos meses, o peso do desencanto no campo.

kicker: Os efeitos na inflação da escalada nos preços agrícolas serão fortes. A prévia do IGP-M deste mês já acusou a subida de 4,22% na soja