A desordem que se espalha pelo governo e pela sociedade da Venezuela vem solapando a indústria petrolífera, principal pilar de apoio ao sistema político e principal esperança de recuperação das décadas de pobreza crescente.
A produção petrolífera mundial hoje mal consegue acompanhar a demanda. A produção nos EUA, maior consumidor mundial de petróleo, caiu do pico de 9,6 milhões de barris por dia, em 1970, para 5,1 milhões hoje. Os campos petrolíferos tradicionais do oeste da Venezuela, por estarem em operação há oito décadas, estão se esgotando. Aproximadamente 70% da produção mundial sai de campos antigos, já largamente esgotados, com recuperação adicional estimada entre 30% e 40% dos depósitos remanescentes.
O Mar do Norte está exaurindo suas reservas recuperáveis. A produção mexicana pode já ter passado de seu pico. Distúrbios políticos provocam a redução das exportações da Nigéria e do Iraque, enquanto outros países membros da Opep bombeiam seus poços quase à sua capacidade máxima, ao mesmo tempo em que a demanda cresce na China, Índia e EUA. Novas regiões produtoras na Rússia, África e Ásia Central estão expostas a riscos políticos. Também as estimativas relativas às reservas mundiais podem enganar. “A incerteza extrema tem sido um tema constante nos últimos anos”, reportou recentemente a Agência Internacional de Energia (AIE).
Tudo isso deixa a economia mundial mais vulnerável a acontecimentos imprevistos, como os furacões que fustigaram o Golfo do México em 2005 e o cancelamento, em agosto, de 400 mil barris diários de produção da Baía Prudhoe, no Alasca (8% da produção americana), devido a vazamentos nas tubulações enferrujadas de oleodutos alimentadores. A produção conjunta da Venezuela, Nigéria, Indonésia e Irã caiu 990 mil barris diários no último ano (entre julho de 2005 e julho de 2006). Em julho, a agitação política na Nigéria impediu a produção de 150 mil barris por dia, além dos 500 mil que já tinham sido fechados.
Contando com a Baía Prudhoe, “o maior campo petrolífero jamais descoberto na América do Norte”, Daniel Yergin, guru da Cambridge Energy Associates, estimou que “cerca de 2,3 milhões de barris diários da capacidade (mundial) hoje se encontram fora da produção”. Yergin previu um aumento nessa capacidade, para 110 milhões de barris por dia, até 2015, com base numa análise da atividade atual e de 360 novos projetos, incluindo “hidrocarbonetos não tradicionais”, como a produção em grandes profundidades em águas territoriais do Brasil e da África Ocidental, as areias petrolíferas canadenses, a faixa de petróleo extrapesado do Orinoco, na Venezuela, e os líquidos feitos de gás natural. Ele acrescentou: “Tudo isso ressalta o fato de que, embora os desafios debaixo da terra sejam grandes, as incertezas – e os riscos – que mais preocupam ainda são os que estão sobre a terra.”
Em meio a essa incerteza, o declínio e a desorganização da indústria petrolífera venezuelana podem ser tão importantes para a economia mundial quanto era a Venezuela meio século atrás, quando a produção global se encontrava em expansão acelerada e o país era o maior exportador. De acordo com a AIE, a produção venezuelana caiu 27% em relação a seu pico recente de 3,28 milhões de barris por dia, em 1997, para 2,5 milhões em julho de 2006. No mercado petrolífero arrochado de hoje, com a produção e o consumo mundiais oscilando em torno de 86 milhões de barris diários e a demanda aumentando quase 2% ao ano, apesar dos preços altos, uma queda maior na Venezuela geraria mais aumentos nos preços e mais ansiedade.
O principal mercado do petróleo venezuelano são os EUA, que importam 1,4 milhão de barris diários de petróleo cru e produtos refinados da Venezuela, ou seja, cerca de 11% de suas importações. No último meio século a Venezuela tem sido fornecedora estratégica dos EUA, devido a sua proximidade com os portos da Costa do Golfo do México – cinco dias de viagem de um petroleiro, contra 30-40 dias no caso do petróleo vindo do Oriente Médio. Além disso, a Citgo, subsidiária da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), é dona integral de cinco refinarias americanas e sócia em outras quatro dotadas de capacidade especializada para processar os crus pesados venezuelanos, com alto teor sulfúrico.
As quedas recentes na produção venezuelana exerceram papel significativo na redução da capacidade excedente global de 5,6 milhões de barris por dia, em 2002, para cerca de 1 a 2 milhões hoje, a maior parte dela na Arábia Saudita.
O clímax das viagens recentes de Hugo Chávez foi sua visita de seis dias à China, a quarta desde que é presidente. Sua estratégia de transferir suas exportações petrolíferas dos EUA para a China foi articulada em 18 acordos assinados em Pequim. Ele anunciou planos para elevar as exportações para a China de 70 mil para 1 milhão de barris diários em cinco anos. Encomendou da China 18 superpetroleiros para transportar o produto, apesar de o custo do transporte da Venezuela à China ser de 11 a 13 dólares por barril, contra apenas 2 a 3 dólares por barril enviado às refinarias americanas na Costa do Golfo. Os chineses esperam que a Venezuela absorva a diferença nos custos do transporte.
PREOCUPAÇÃO
Um novo relatório do General Accountability Office dos EUA observou que “as reduções de longo prazo na produção e nas exportações petrolíferas da Venezuela constituem motivo de preocupação para a segurança energética dos EUA, especialmente em vista da oferta baixa e demanda alta no mercado petrolífero mundial. Se a Venezuela não mantiver ou ampliar seu nível de produção, o mercado petrolífero mundial pode arrochar-se ainda mais, exercendo mais pressões tanto no nível quanto na volatilidade dos preços da energia”.
O impacto doméstico do declínio do setor petrolífero da Venezuela é mascarado pelos altos preços atuais do petróleo e por gestos políticos de Chávez, hoje o chefe inconteste da PDVSA. Após a nacionalização do setor petrolífero venezuelano, em 1976, os políticos do país procuraram evitar as perturbações e ineficiências que afligem a Pemex e outras estatais petrolíferas, possibilitando à PDVSA desenvolver uma reputação de profissionalismo e competência. Mas, assim que Chávez foi eleito, em 1998, ele começou a politizar a empresa. Desde então, a PDVSA já teve seis presidentes, enquanto Chávez lotava seus quadros de pessoal superiores com indicados por razões políticas, motivando uma resistência que levou à greve geral de dezembro de 2002 a janeiro de 2003, na qual petroleiros e executivos do setor se uniram num esforço desesperado para forçar a renúncia de Chávez, ou, pelo menos, eleições presidenciais antecipadas.
A greve era o pivô no declínio da PDVSA. Chávez resistiu aos grevistas, apesar dos prejuízos profundos acarretados à economia venezuelana. A greve converteu-se numa demissão em massa. Chávez despediu 18 mil empregados da PDVSA, incluindo a maior parte de seu quadro técnico de geólogos, geofísicos e engenheiros de reservatórios. Os centros de treinamento e pesquisas da estatal foram desmantelados. Com isso, a PDVSA perdeu boa parte de sua base de conhecimentos e de seu capital humano. Desde então vem ocorrendo uma longa seqüência de acidentes e incêndios nas refinarias da empresa, devido à ausência de técnicos qualificados. O abandono dos poços marginais durante e após a greve provocou a perda permanente de 400 mil barris diários de capacidade de produção. Este ano já ocorreram 17 incêndios e explosões em refinarias da PDVSA, graças principalmente a erros humanos. Um incêndio ocorrido em 17 de julho numa torre da unidade de destilação Amuay do Complexo de Refino de Paraguaná, o maior da América Latina, interrompeu as operações. A produção em Paraguaná, que envia produtos refinados principalmente à Costa Leste dos EUA, foi fortemente reduzida, obrigando a PDVSA a comprar gasolina no exterior para suprir o mercado interno e cumprir seus contratos de exportação. O acidente também provocou a escassez de GLP (gás liquefeito de petróleo), o gás de cozinha.
Não apenas Chávez despediu a massa crítica de técnicos da PDVSA, como proibiu outras empresas petrolíferas que operam na Venezuela, além das companhias que trabalham sob contrato com elas, de contratá-los. Isso obrigou muitos a deixar o país, criando uma diáspora de petroleiros venezuelanos que hoje trabalham nos EUA, Canadá, Espanha, México, Argentina, Colômbia, Arábia Saudita, Catar, Iraque e Ásia Central.
Sob pressão política de Chávez, a PDVSA vem gastando mais para financiar os programas sociais da “Revolução Bolivariana” do que com suas próprias necessidades de investimento. A empresa anunciou um plano estratégico, o Plan Siembra Petrolera, para aumentar a produção do país de 2,5 milhões de barris diários atualmente, segundo estimativas independentes, para 5,8 milhões até 2012, com investimentos de US$ 56 bilhões. O plano foi criticado como mera reformulação de um plano anterior da PDVSA, com aproximadamente os mesmos números, sendo os US$ 56 bilhões em investimentos planejados um valor muito aquém do que foi necessário para um aumento muito menor de capacidade durante os anos 1990.
A PDVSA transferiu tanto dinheiro para o governo que, apesar dos preços altos do petróleo, ela enfrenta um déficit de fluxo de caixa de US$ 5,3 bilhões este ano. Recentemente ela aumentou sua estimativa do custo do Plan Siembra Petrolera, dos US$ 56 bilhões já anunciados para US$ 130 bilhões, prevendo tomar empréstimos de US$ 40 bilhões para financiar o plano. Os investimentos estão atrasando enquanto o governo gastador acumula um déficit previsto para 4,3% do PIB este ano, agravado pela queda do preço do petróleo em 22% nos últimos dois meses.
Cerca de um terço do dinheiro para o Plan Siembra Petrolera deve vir das empresas estrangeiras operando na Venezuela. Essas empresas pararam de investir após receber faturas de bilhões de dólares em 2005 a título de impostos atrasados e ser obrigadas a tornar-se sócias minoritárias da PDVSA. Em março, o ministro da Energia e do Petróleo, Rafael Ramírez, anunciou os termos draconianos sob os quais as empresas estrangeiras contratadas, depois de já terem investido US$ 26 bilhões na Venezuela, teriam de operar em empresas de capital misto, como sócias minoritárias da Corporação Venezuelana de Petróleo (CVP), uma subsidiária da PDVSA. Essas condições incluem o pagamento de mais impostos e royalties, a cessão do controle operacional das joint ventures e a renúncia à arbitragem internacional de disputas, que passam a ter de ser decididas em tribunais venezuelanos.
O Estado venezuelano determinaria os níveis de produção de petróleo cru e aprovaria os orçamentos e planos operacionais anuais. As 22 empresas petrolíferas estrangeiras têm fortes razões para permanecer na Venezuela sob essas condições, devido aos preços petrolíferos atuais altos e às imensas reservas venezuelanas. Além disso, se partirem, é possível que não possam recuperar seus investimentos fixos, já que o governo declarou ilegais os contratos antigos, apesar de terem sido aprovados pelo Congresso e pelo Tribunal Supremo de Justiça na década de 1990. As empresas estrangeiras produzindo 600 mil barris diários de petróleo cru extrapesado na Faixa do Orinoco também devem transformar-se em sócios minoritários em joint ventures com a PDVSA.
POLITIZAÇÃO DA PDVSA
No entanto, os poços petrolíferos da Venezuela, desgastados pela idade, precisam de manutenção intensiva. Noventa por cento deles precisam de injeção de gás ou água para conservar o petróleo fluindo para a superfície, devido à queda na pressão natural dos reservatórios. “A PDVSA se politizou e hoje não conta com as habilidades administrativas e know-how necessários para redigir um plano de negócios digno de crédito”, disse Diego González, engenheiro aposentado da empresa e atual diretor do Instituto de Petróleo e Mineração, Ipemin.
“Os contratos são concedidos atendendo a caprichos, sem licitação prévia”, prosseguiu González. “Como a maioria de seus engenheiros de reservatórios foi despedida após a greve, faltam à PDVSA os técnicos capazes de reparar os poços. Se os poços não passam por reparos periódicos, os problemas mecânicos se multiplicam. Um poço normalmente produz petróleo, gás, água e areia. São necessários reparos quando um poço produz água e areia em demasia. Trata-se de um trabalho caro e delicado, realizado com uma equipe de 30 empregados que usam equipamentos de perfuração e reparo que custam US$ 20 mil por dia. É preciso remover as bombas, os tubos de produção e a árvore de Natal (o conjunto de válvulas dos poços que impedem explosões). Limpar o reservatório significa disparar bolas ou balas de aço dentro do poço, para descompactar a areia. Hoje 21 mil poços da PDVSA estão fechados por falta de reparos, um número que cresce sem parar, enquanto 14 mil estão em produção.”
Passando por cima dos problemas financeiros, técnicos e de mão-de-obra qualificada da PDVSA, Chávez ousou ao propor a construção de um gasoduto de US$ 20 bilhões, conhecido como Gasur, que teria 8 mil quilômetros de extensão, para enviar gás da Venezuela à Argentina, que tem necessidade urgente de gás importado. O Gasur atravessaria toda a extensão do território brasileiro, com incentivos para fornecer gás a cidades da Amazônia e do Nordeste do Brasil. Faltam ainda estudos de viabilidade. O consultor venezuelano Nelson Hernández observou que os engenheiros teriam de enfrentar uma temporada de chuvas de oito meses na região amazônica e o gasoduto teria de atravessar muitos rios e pântanos. Com inundações sazonais de até 12 metros de profundidade, disse ele, seria difícil manter abertas as estradas de penetração necessárias para a manutenção do gasoduto.
O custo do gás do Gasur na Argentina, incluindo o transporte, seria de US$ 134 por barril de equivalente petrolífero, muito superior ao custo de outras alternativas, como a importação de mais gás boliviano ou a construção de navios e instalações industriais especializados para a importação de gás liquefeito natural (GLN) da Venezuela. Para tornar ainda mais exótica a história, Chávez anunciou que venderia o gás venezuelano para o gasoduto Gasur ao preço subsidiado de US$ 1 por milhões de unidades térmicas britânicas (Mbtu), em comparação com os preços atuais de US$ 4 por Mbtu do gás boliviano enviado ao Brasil e US$ 6 pelo envio de gás doméstico aos EUA.
A proposta de Chávez para o Gasur é baseada nos 4,2 trilhões de metros cúbicos da reserva comprovada de gás natural que a Venezuela possui, a maior da América do Sul e a nona maior do mundo. Entretanto, 90% dos depósitos venezuelanos de gás estão associados a depósitos petrolíferos e não foram independentemente certificados. Da produção atual de gás, 70% é reinjetada em operações para manter a pressão nos reservatórios em produção. No passado, a Venezuela fez poucos trabalhos de exploração de gás não associado. Hoje o país sofre uma escassez tão grande de gás utilizável que a produção de petróleo na região do Lago Maracaibo está diminuindo rapidamente por falta de gás disponível para injetar nos reservatórios. Além disso, a Pequiven, empresa petroquímica filiada à PDVSA, anunciou seu próprio plano de expansão de US$ 26 bilhões, apesar de não possuir gás suficiente para sua produção atual. Se a exploração marítima que vem sendo feita pela Chevron e pela norueguesa Statoil for bem-sucedida, a Venezuela pode contar com entre 48 milhões e 70 milhões de metros cúbicos adicionais por dia de gás disponível, o que mal daria para cobrir a escassez atual em seu mercado interno. Está sendo construído um gasoduto para a importação de gás da Colômbia.
Em 17 de dezembro de 2005, Chávez e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançaram a pedra fundamental de uma refinaria de 200 mil barris diários em Pernambuco, a ser construída e financiada pela PDVSA e a Petrobrás. A nova refinaria está sendo construída apesar dos protestos de engenheiros da Petrobrás. “Isso está sendo feito por razões políticas”, disse um veterano engenheiro de refinaria da Petrobrás. “Nossa refinaria na Bahia foi ampliada para atender ao mercado do Nordeste. A modernização de uma refinaria já existente custa entre US$ 5 mil e US$ 8 mil por barril de capacidade diária acrescentada, enquanto uma refinaria nova custa de US$ 15 mil a US$ 18 mil. A Venezuela já produz muitos crus pesados. O Brasil não precisa desse tipo, porque já exporta entre 250 mil e 300 mil barris por dia da Bacia de Campos, com prejuízo, para que possamos importar produtos e petróleos leves. Cada 100 mil barris diários de cru venezuelano que importarmos para a refinaria de Pernambuco significará ter de exportar 100 mil a mais por dia, com prejuízo. A decisão final sobre a construção ou não da refinaria de Pernambuco será tomada pelo próximo governo brasileiro.”
Em 2004 a Venezuela declarou outros 232 bilhões de barris de reservas de petróleo extrapesado, com base nas estimativas geológicas de 1.300 bilhões de barris de petróleo existentes sob uma savana ao norte do Rio Orinoco, uma das maiores concentrações mundiais de recursos petrolíferos. Conhecida antigamente como Faixa Betuminosa, mas desde então rebatizada de Faixa Petrolífera do Orinoco, a região produz 600 mil barris por dia de petróleo cru melhorado, graças a inovações tecnológicas recentes feitas sob um esforço de investimento de US$ 13 bilhões realizado na década de 1990 pela PDVSA e operadoras estrangeiras como a Conoco-Phillips, Exxon-Mobil e Statoil. Essas operadoras puderam produzir petróleo cru sintético de médio a leve, removendo átomos das moléculas de betume e, em alguns casos, acrescentando hidrogênio. O petróleo extrapesado é transformado numa commodity exportável no Complexo Industrial Jose, próximo à costa caribenha, uma cidade de tubulações, lagoas de tratamento de água, chaminés, poços e tanques de armazenagem. A PDVSA calcula que pode recuperar economicamente 18% do 1,3 trilhão de barris de petróleo extrapesado que diz existir no Orinoco, embora a recuperação atual seja só de 4% do petróleo existente. A expectativa é que novas tecnologias (diluentes, sistemas de extração baseados no fogo, etc.) levem a índices de recuperação mais altos no futuro.
Multiplicar a produção do Orinoco no futuro exige descarte ou venda de volumes enormes de enxofre e coque contidos no petróleo cru extrapesado. Dos 429 mil barris diários extraídos no Orinoco em 2003 implicava extrair 14 mil toneladas diárias de enxofre e 15 mil toneladas diárias de coque. Multiplicar essa produção 10 vezes exigiria investimentos maciços para criar 10 novas cidades de tubulações, lagoas de tratamento de água, chaminés, poços e tanques de armazenagem, similar ao Complexo Jose. Não haveria mercado para os 50 milhões de toneladas de enxofre produzidos em um ano, nem para os 500 milhões de toneladas produzidos em 10 anos, com grandes riscos ao meio ambiente. Nem existem na Venezuela lugares adequados para tantos complexos para melhorar crus extrapesados, que devem estar perto de portos profundos.
A Venezuela terá de acrescentar 400 mil barris diários de capacidade nova todos os anos apenas para estabilizar a produção atual. Mas resta ver quantos recursos financeiros e técnicos serão investidos em sua produção futura. O orçamento atual da PDVSA prevê gastos de US$ 8,2 bilhões com programas sociais, dois terços mais que seus investimentos em exploração e produção. De acordo com as estatísticas oficiais mais recentes, apenas cinco poços de exploração foram ativados na Venezuela entre 1998 e 2003. Desde 1990 não foi descoberto nenhum campo petrolífero novo. Com os altos preços atuais do petróleo, a exploração mundial é tão intensa que os equipamentos de perfuração são muito escassos, o que limitaria a atividade exploratória da PDVSA no futuro próximo. A estatal quer alugar 27 equipamentos por cinco anos ao custo de US$ 4,3 bilhões, ou US$ 50 mil por dia. Dos 129 equipamentos de exploração existentes na Venezuela, 33 são inativos. Deles, 17 pertencem à PDVSA e se encontram em depósitos ou deteriorados, alguns relegados a sucata.
Ao invés de fazer investimentos pesados no Orinoco para garantir a produção para décadas futuras, a PDVSA fechou contrato com estatais petrolíferas estrangeiras – do Brasil, Irã, Índia, Rússia, China, Argentina e Uruguai – para medir e aumentar as reservas comprovadas da Faixa. Nenhuma dessas empresas possui experiência anterior com petróleos crus extrapesados.
Na inauguração dos esforços de empresas petrolíferas estrangeiras para certificar as reservas do Orinoco, uma cerimônia de quatro horas de duração que foi transmitida pela televisão, Chávez anunciou: “Até novembro de 2007 vamos dobrar nossas reservas comprovadas, chegando a 171 bilhões de barris e passando a ter a segunda maior reserva do mundo. Até outubro de 2008, teremos certificado 235 bilhões de barris. Assim, em dois anos vamos triplicar nossa reserva atual, de modo a chegar a 316 bilhões de barris” – o que, afirmou, será a maior reserva do mundo. Chávez não explicou como isso será feito, em vista dos problemas técnicos e dos baixos níveis de investimento e de mão-de-obra qualificada da PDVSA, com muitos técnicos enviados para trabalhar em projetos no exterior.
A desordem que se espalha pelo governo e pela sociedade da Venezuela vem solapando a indústria petrolífera, principal pilar de apoio ao sistema político e principal esperança de recuperação das décadas de pobreza crescente.
A produção petrolífera mundial hoje mal consegue acompanhar a demanda. A produção nos EUA, maior consumidor mundial de petróleo, caiu do pico de 9,6 milhões de barris por dia, em 1970, para 5,1 milhões hoje. Os campos petrolíferos tradicionais do oeste da Venezuela, por estarem em operação há oito décadas, estão se esgotando. Aproximadamente 70% da produção mundial sai de campos antigos, já largamente esgotados, com recuperação adicional estimada entre 30% e 40% dos depósitos remanescentes.
O Mar do Norte está exaurindo suas reservas recuperáveis. A produção mexicana pode já ter passado de seu pico. Distúrbios políticos provocam a redução das exportações da Nigéria e do Iraque, enquanto outros países membros da Opep bombeiam seus poços quase à sua capacidade máxima, ao mesmo tempo em que a demanda cresce na China, Índia e EUA. Novas regiões produtoras na Rússia, África e Ásia Central estão expostas a riscos políticos. Também as estimativas relativas às reservas mundiais podem enganar. “A incerteza extrema tem sido um tema constante nos últimos anos”, reportou recentemente a Agência Internacional de Energia (AIE).
Tudo isso deixa a economia mundial mais vulnerável a acontecimentos imprevistos, como os furacões que fustigaram o Golfo do México em 2005 e o cancelamento, em agosto, de 400 mil barris diários de produção da Baía Prudhoe, no Alasca (8% da produção americana), devido a vazamentos nas tubulações enferrujadas de oleodutos alimentadores. A produção conjunta da Venezuela, Nigéria, Indonésia e Irã caiu 990 mil barris diários no último ano (entre julho de 2005 e julho de 2006). Em julho, a agitação política na Nigéria impediu a produção de 150 mil barris por dia, além dos 500 mil que já tinham sido fechados.
Contando com a Baía Prudhoe, “o maior campo petrolífero jamais descoberto na América do Norte”, Daniel Yergin, guru da Cambridge Energy Associates, estimou que “cerca de 2,3 milhões de barris diários da capacidade (mundial) hoje se encontram fora da produção”. Yergin previu um aumento nessa capacidade, para 110 milhões de barris por dia, até 2015, com base numa análise da atividade atual e de 360 novos projetos, incluindo “hidrocarbonetos não tradicionais”, como a produção em grandes profundidades em águas territoriais do Brasil e da África Ocidental, as areias petrolíferas canadenses, a faixa de petróleo extrapesado do Orinoco, na Venezuela, e os líquidos feitos de gás natural. Ele acrescentou: “Tudo isso ressalta o fato de que, embora os desafios debaixo da terra sejam grandes, as incertezas – e os riscos – que mais preocupam ainda são os que estão sobre a terra.”
Em meio a essa incerteza, o declínio e a desorganização da indústria petrolífera venezuelana podem ser tão importantes para a economia mundial quanto era a Venezuela meio século atrás, quando a produção global se encontrava em expansão acelerada e o país era o maior exportador. De acordo com a AIE, a produção venezuelana caiu 27% em relação a seu pico recente de 3,28 milhões de barris por dia, em 1997, para 2,5 milhões em julho de 2006. No mercado petrolífero arrochado de hoje, com a produção e o consumo mundiais oscilando em torno de 86 milhões de barris diários e a demanda aumentando quase 2% ao ano, apesar dos preços altos, uma queda maior na Venezuela geraria mais aumentos nos preços e mais ansiedade.
O principal mercado do petróleo venezuelano são os EUA, que importam 1,4 milhão de barris diários de petróleo cru e produtos refinados da Venezuela, ou seja, cerca de 11% de suas importações. No último meio século a Venezuela tem sido fornecedora estratégica dos EUA, devido a sua proximidade com os portos da Costa do Golfo do México – cinco dias de viagem de um petroleiro, contra 30-40 dias no caso do petróleo vindo do Oriente Médio. Além disso, a Citgo, subsidiária da estatal Petróleos de Venezuela (PDVSA), é dona integral de cinco refinarias americanas e sócia em outras quatro dotadas de capacidade especializada para processar os crus pesados venezuelanos, com alto teor sulfúrico.
As quedas recentes na produção venezuelana exerceram papel significativo na redução da capacidade excedente global de 5,6 milhões de barris por dia, em 2002, para cerca de 1 a 2 milhões hoje, a maior parte dela na Arábia Saudita.
O clímax das viagens recentes de Hugo Chávez foi sua visita de seis dias à China, a quarta desde que é presidente. Sua estratégia de transferir suas exportações petrolíferas dos EUA para a China foi articulada em 18 acordos assinados em Pequim. Ele anunciou planos para elevar as exportações para a China de 70 mil para 1 milhão de barris diários em cinco anos. Encomendou da China 18 superpetroleiros para transportar o produto, apesar de o custo do transporte da Venezuela à China ser de 11 a 13 dólares por barril, contra apenas 2 a 3 dólares por barril enviado às refinarias americanas na Costa do Golfo. Os chineses esperam que a Venezuela absorva a diferença nos custos do transporte.
PREOCUPAÇÃO
Um novo relatório do General Accountability Office dos EUA observou que “as reduções de longo prazo na produção e nas exportações petrolíferas da Venezuela constituem motivo de preocupação para a segurança energética dos EUA, especialmente em vista da oferta baixa e demanda alta no mercado petrolífero mundial. Se a Venezuela não mantiver ou ampliar seu nível de produção, o mercado petrolífero mundial pode arrochar-se ainda mais, exercendo mais pressões tanto no nível quanto na volatilidade dos preços da energia”.
O impacto doméstico do declínio do setor petrolífero da Venezuela é mascarado pelos altos preços atuais do petróleo e por gestos políticos de Chávez, hoje o chefe inconteste da PDVSA. Após a nacionalização do setor petrolífero venezuelano, em 1976, os políticos do país procuraram evitar as perturbações e ineficiências que afligem a Pemex e outras estatais petrolíferas, possibilitando à PDVSA desenvolver uma reputação de profissionalismo e competência. Mas, assim que Chávez foi eleito, em 1998, ele começou a politizar a empresa. Desde então, a PDVSA já teve seis presidentes, enquanto Chávez lotava seus quadros de pessoal superiores com indicados por razões políticas, motivando uma resistência que levou à greve geral de dezembro de 2002 a janeiro de 2003, na qual petroleiros e executivos do setor se uniram num esforço desesperado para forçar a renúncia de Chávez, ou, pelo menos, eleições presidenciais antecipadas.
A greve era o pivô no declínio da PDVSA. Chávez resistiu aos grevistas, apesar dos prejuízos profundos acarretados à economia venezuelana. A greve converteu-se numa demissão em massa. Chávez despediu 18 mil empregados da PDVSA, incluindo a maior parte de seu quadro técnico de geólogos, geofísicos e engenheiros de reservatórios. Os centros de treinamento e pesquisas da estatal foram desmantelados. Com isso, a PDVSA perdeu boa parte de sua base de conhecimentos e de seu capital humano. Desde então vem ocorrendo uma longa seqüência de acidentes e incêndios nas refinarias da empresa, devido à ausência de técnicos qualificados. O abandono dos poços marginais durante e após a greve provocou a perda permanente de 400 mil barris diários de capacidade de produção. Este ano já ocorreram 17 incêndios e explosões em refinarias da PDVSA, graças principalmente a erros humanos. Um incêndio ocorrido em 17 de julho numa torre da unidade de destilação Amuay do Complexo de Refino de Paraguaná, o maior da América Latina, interrompeu as operações. A produção em Paraguaná, que envia produtos refinados principalmente à Costa Leste dos EUA, foi fortemente reduzida, obrigando a PDVSA a comprar gasolina no exterior para suprir o mercado interno e cumprir seus contratos de exportação. O acidente também provocou a escassez de GLP (gás liquefeito de petróleo), o gás de cozinha.
Não apenas Chávez despediu a massa crítica de técnicos da PDVSA, como proibiu outras empresas petrolíferas que operam na Venezuela, além das companhias que trabalham sob contrato com elas, de contratá-los. Isso obrigou muitos a deixar o país, criando uma diáspora de petroleiros venezuelanos que hoje trabalham nos EUA, Canadá, Espanha, México, Argentina, Colômbia, Arábia Saudita, Catar, Iraque e Ásia Central.
Sob pressão política de Chávez, a PDVSA vem gastando mais para financiar os programas sociais da “Revolução Bolivariana” do que com suas próprias necessidades de investimento. A empresa anunciou um plano estratégico, o Plan Siembra Petrolera, para aumentar a produção do país de 2,5 milhões de barris diários atualmente, segundo estimativas independentes, para 5,8 milhões até 2012, com investimentos de US$ 56 bilhões. O plano foi criticado como mera reformulação de um plano anterior da PDVSA, com aproximadamente os mesmos números, sendo os US$ 56 bilhões em investimentos planejados um valor muito aquém do que foi necessário para um aumento muito menor de capacidade durante os anos 1990.
A PDVSA transferiu tanto dinheiro para o governo que, apesar dos preços altos do petróleo, ela enfrenta um déficit de fluxo de caixa de US$ 5,3 bilhões este ano. Recentemente ela aumentou sua estimativa do custo do Plan Siembra Petrolera, dos US$ 56 bilhões já anunciados para US$ 130 bilhões, prevendo tomar empréstimos de US$ 40 bilhões para financiar o plano. Os investimentos estão atrasando enquanto o governo gastador acumula um déficit previsto para 4,3% do PIB este ano, agravado pela queda do preço do petróleo em 22% nos últimos dois meses.
Cerca de um terço do dinheiro para o Plan Siembra Petrolera deve vir das empresas estrangeiras operando na Venezuela. Essas empresas pararam de investir após receber faturas de bilhões de dólares em 2005 a título de impostos atrasados e ser obrigadas a tornar-se sócias minoritárias da PDVSA. Em março, o ministro da Energia e do Petróleo, Rafael Ramírez, anunciou os termos draconianos sob os quais as empresas estrangeiras contratadas, depois de já terem investido US$ 26 bilhões na Venezuela, teriam de operar em empresas de capital misto, como sócias minoritárias da Corporação Venezuelana de Petróleo (CVP), uma subsidiária da PDVSA. Essas condições incluem o pagamento de mais impostos e royalties, a cessão do controle operacional das joint ventures e a renúncia à arbitragem internacional de disputas, que passam a ter de ser decididas em tribunais venezuelanos.
O Estado venezuelano determinaria os níveis de produção de petróleo cru e aprovaria os orçamentos e planos operacionais anuais. As 22 empresas petrolíferas estrangeiras têm fortes razões para permanecer na Venezuela sob essas condições, devido aos preços petrolíferos atuais altos e às imensas reservas venezuelanas. Além disso, se partirem, é possível que não possam recuperar seus investimentos fixos, já que o governo declarou ilegais os contratos antigos, apesar de terem sido aprovad