Mercado

É possível conciliar estabilidade e crescimento, diz Martus Tavares

Quando ministro do Planejamento e secretário do Planejamento de São Paulo, Martus Tavares tinha por missão impedir aumentos de despesas e redução de receita dos respectivos governos.

Agora, como vice-presidenteexecutivo da Fiesp, defende os pleitos do empresariado, de redução da carga tributária, dos juros e um câmbio mais favorável.

Ele explica como conciliar as duas coisas, além de falar sobre a proposta da Fiesp de uma nova lei para as agências reguladoras. A seguir, trechos de sua entrevista.

O senhor, que já esteve do outro lado, acha possível conciliar a necessidade dos governos de redução de despesas e aumento de receitas com os pleitos do setor produtivo?É possível, sim. É possível ter um arranjo de política macroeconômica que concilie os dois lados. Paulo Skaf, aliás, tem colocado uma posição que, para mim, é absolutamente correta: é preciso ter uma obsessão pelo crescimento. Já foram aí 12 anos de Plano Real, já se estabilizou a economia de forma que este ano vamos ter uma inflação abaixo da meta fixada pelo BC. Isso torna perfeitamente possível conciliar a estabilidade macro – que sem dúvida vem antes de tudo, pois sem ela não há investimento nem crescimento – com um pouco mais de crescimento. Só que o atual manejo da política econômica não está permitindo isso. O mercado passou mais de um ano defendendo maior agressividade do BC na redução da Taxa Selic. Não houve e, com isso, obtiveram êxito absoluto no controle da inflação, mas um crescimento pífio. Acredito que poderiam ter obtido o mesmo resultado criando condições para um crescimento maior.

Éuma questão de saber equilibrar. Não se pode, por exemplo, aumentar, da forma que foram aumentados, os gastos sociais. Gastamos mais onde não se pode voltar atrás. De janeiro para cá, o governo contratou um aumento de despesas permanentes equivalentes a mais de 1% do PIB. Isso poderia ser gasto com investimento ou ter reduzido a carga tributária em 1% do PIB. Além disso, o exagero na dose de cautela por parte do BC na questão dos juros significou adiar o crescimento. E também um aumento da relação dívida/PIB, pois não só o crescimento do PIB foi menor, como a dívida cresceu muito pela manutenção dos juros altos por um período maior.

Isso, num segundo momento, vai exigir mais superávit, o que é incompatível com mais investimento ou com menos carga tributária.Qual seria a receita?

Mas estabilidade e inflação baixa não é prioridade?É claro. E de forma alguma estou falando que não é. O que estou dizendo é que é possível conciliar essas metas com crescimento. Só que, para fazer isso com segurança, precisamos de reformas, de resolver a questão da Previdência. É preciso uma reforma tributária para aumentar a competitividade dos nossos produtos, a produção, os investimentos, as exportações. E, nesse sentido, uma entidade como a Fiesp, por sua liderança, é um fator importantíssimo. E o presidente Paulo Skaf tem exercido essa liderança para tentar emplacar a agenda em que estivemos trabalhando, e que foi oferecida aos candidatos à Presidência da República. Ela lista pontos importantes para atrair mais investimentos. Afinal, há uma forte liquidez internacional e os recursos não estão vindo no volume possível. Por quê? Pela alta taxa de juros, pela alta carga tributária, que recai até sobre setores que não se devia tributar, pela falta de regras claras e de agências reguladoras confiáveis.

A Fiesp, aliás, tem um projeto de lei especificamente sobre agências reguladoras, não?

Nossa proposta é, na verdade, um substitutivo, um aperfeiçoamento do projeto de lei que o governo mandou ao Congresso no fim de 2004 e que foi discutido ali por mais de um ano, resultando num substitutivo. Trata-se de uma lei-quadro, uma lei geral das agências reguladoras. No nosso entender, o projeto que está tramitando não avança em pontos importantes, como a independência das agências.

Pelo contrário, dá mais margem a dúvidas sobre isso. Nossa proposta foi elaborada após uma leitura cuidadosa do substitutivo do Congresso e de um longo debate com praticamente todas as entidades de energia, petróleo e gás, saneamento, transporte, logística, água. Ela está pronta, mas só devemos encaminhar ao Congresso em novembro, quando, imaginamos, os parlamentares estarão voltando efetivamente ao trabalho.

O que há de errado com a atual lei que regula as agências?Não é que a legislação atual esteja exatamente errada. Mas, após dez anos da criação da primeira agência reguladora, ela precisa ser reformulada, precisa de ajustes.

As agências foram criadas na década de 90, tomando como referência o projeto básico da Anatel. A partir daí, várias agências foram sendo criadas – hoje há quase dez delas, com características diversas – sem uma organização, sem um planejamento, sem um escopo geral. Agora, é preciso definir com mais precisão atribuições, limites, fontes de financiamento, custos, relações com o Ministério a que está ligada, com o restante do governo, com as empresas que têm de regular, com o consumidor. Ela precisa ser uma referência concreta e estável para todos, precisa garantir preço justo e qualidade.

Qual seria o principal ponto dessa mudança?O fator mais delicado, sem nenhuma dúvida, é a falta de autonomia e a prerrogativa dos ministérios de interferirem no trabalho das agências. Recentemente, a Advocacia-Geral da União emitiu parecer dizendo que os ministérios tinham hierarquia sobre as agências. É o governo intervindo, e quando isso acontece o investidor não pensa duas vezes. Já existem estudos sendo feitos para definir quanto deixou de ingressar no País para a área de infra-estrutura apenas por conta dessa frágil segurança jurídica. Porque se o investidor não se sentir confortável, ou não vai investir ou se investir vai embutir nos custos essa insegurança. No fim, é o contribuinte que vai pagar a conta.

Por que no Chile se consegue fazer uma licitação com tarifas mais baixas do que a nossa, pelo mesmo tipo de serviço? Porque lá a insegurança jurídica é praticamente nula.