Na tarde quente de Tejupá, na região sudoeste de São Paulo, Delton Belei fixa os olhos na lavoura. Na planície paulista, a vista do agricultor não alcança os 220 alqueires (532,4 hectares) que cultivou nesta safra. Belei foi criado em meio à lavoura de feijão e por 20 anos cultivou o grão. Mas, diferentemente da fábula, os feijões de Belei não eram mágicos. Após incessantes tentativas, ele decidiu buscar a nova “galinha dos ovos de ouro”: a cana-de-açúcar.
Em março, cultivou 100 alqueires de cana. No ano que vem, serão 170 alqueires. Belei resume o porquê de sua escolha: “A cana me rende R$ 6 mil por alqueire. O feijão rende R$ 4 mil”. A comparação parece entristecer o agricultor, que neste ano reduziu a área destinada ao feijão de 220 para 120 alqueires, e no ano que vem reduzirá para 50. Ele admite que só não deixará de plantar feijão de vez pela “ligação” com a cultura e para aproveitar investimentos feitos em sistemas de irrigação.
Além de plantar cana, Delton Belei também está investindo, junto com dois primos, R$ 1,5 milhão, numa destilaria para produção de aguardente de cana em Taquarituba, cidade vizinha a Tejupá. A unidade vai processar 100 mil toneladas de cana por ano, dos quais 42,5 mil serão fornecidos pelo agricultor. “Vamos procurar outros produtores para fornecer a cana para a destilaria.”
O investimento dos Belei é tímido diante das apostas que o setor sucroalcooleiro vem fazendo na região. Tradicional produtora de grãos e frutas e conhecida pela terra vermelha e de alta produtividade, a microrregião de Avaré – formada por oito municípios – está recebendo desde o fim de 2005 investimentos dos grupos Furlan, Vista Alegre e Farias para a instalação de três usinas.
O Grupo Furlan arrendou 2 mil alqueires (4,84 mil hectares) e investiu R$ 80 milhões em uma unidade em Avaré, que vai moer 500 mil toneladas de cana por ano a partir de 2007. Em Taquarituba, o Grupo Farias investe R$ 200 milhões na instalação de uma usina de açúcar e álcool, que começa a operar em 2008.
No primeiro ano, a usina vai moer de 800 mil a 1 milhão de toneladas de cana e, na fase avançada do projeto, 3 milhões de toneladas por ano. Ermor Zambello Júnior, diretor do grupo, diz que até agora foram arrendados 8 mil hectares para plantio de cana na região e estima que serão necessários 40 mil hectares para atender à demanda da usina.
De olho na nova demanda e na oportunidade de ter renda garantida por pelo menos seis anos (tempo médio de arrendamento contratado pelas usinas), muitos produtores da região já começaram a substituir lavouras de grãos e pastagens pela cana. Dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA), vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado, apontam que a região tem 7 mil hectares em áreas novas com cana, totalizando 20,778 mil hectares neste ano.
Em Taquarituba, foram plantados este ano 2 mil hectares com cana, uma expansão tão surpreendente que levou a Secretaria de Agricultura do município a incluir a cultura em seu levantamento.
“A cana está avançando sobre a área de soja e pastagens, e a substituição é feita principalmente por médios e grandes produtores”, constata Dayse Righetto, secretária de Agricultura de Taquarituba. A previsão é que a área de soja, que foi de 4 mil hectares na última safra, vá para 3 mil hectares em 2006/07.
Em Avaré, a cana ocupa 7,4 mil hectares, plantados para atender à demanda de usinas localizadas em Lençóis Paulista e Barra Bonita. José Andrade, secretário de Agricultura do município, afirma que há 64 mil hectares de pastagens que podem ser aproveitadas. “O problema é que se forem plantar toda a lavoura que precisam aqui, vai dar 125,6 mil hectares. É a área agricultável do município todo. Aí não vai sobrar espaço para grãos.”
José Clóvis Casarim é um dos produtores de grãos que começou a plantar cana na região. Ele costumava plantar 250 hectares de soja e milho por ano em Taquarituba e agora vai cultivar 200 hectares de cana para fornecer ao Grupo Farias. “Já plantava cana em Piracicaba e fornecia para eles, e era essa renda que me dava condições para plantar grãos em Taquarituba”, conta. Pelo acordo, a usina paga R$ 1,2 mil por alqueire plantado por ano e, quando os canaviais entrarem em produção, o valor passa a R$ 40 por tonelada colhida (o que em média gera R$ 1,4 mil por alqueire).
Ele acredita que a vinda da usina fortalecerá a economia do município. “Onde tem cana, tem riqueza. Piracicaba tem hospital, tem serviços, tem tudo. Ninguém vive tão bem como onde tem usina”.
O prefeito de Taquarituba, Itavico Dognani (PL), espera que a vinda da usina gere 1 mil novos postos de trabalho diretos e eleve a arrecadação do município, que tem 41% da sua economia baseada na atividade agrícola e tem um PIB anual de R$ 664 milhões, conforme dados da Fundação Seade.
Além da perspectiva de lucros maiores com a cana, problemas climáticos também desestimularam o plantio de grãos na região. Os 140 produtores da Cooperativa Regional Agrícola de Taquarituba (Coreata), por exemplo, viram sua produção de soja, milho e trigo cair de 1 milhão de sacas em 2004/05 para 600 mil em 2005/06. Na próxima safra, o volume não deve chegar a 600 mil, diz Valentim Righetto, presidente da cooperativa.
Segundo Righetto, a cana deve ocupar 50% da área hoje destinada aos grãos. A expansão só não será maior porque boa parte das lavouras são irrigadas, e o custo para retirar os pivôs e substituir máquinas de grãos por tratores para cana é alto. O próprio Righetto, que planta 110 alqueires de grãos, vai destinar um terço da área para cana já neste ano. “A cana é uma alternativa de renda que pode ser conciliada com grãos”, avalia.
Na corrida pela cana, um antigo produtor sente-se traído pela sorte. Em sua fazenda de 200 alqueires, em Taquarituba, Oswaldo Castellucci colhe 30 mil toneladas de cana por ano, que vende para a Usina Iracema. O produtor começou a plantar cana na região em 1958 e foi também o primeiro a instalar uma destilaria por lá, em 1961. Em sociedade com o irmão, ele dirigiu a usina até o fim de 2005. Mas o irmão morreu, e a família decidiu vender o negócio à Iracema, o que Castellucci lamenta. “Se soubesse que haveria essa febre pela cana, não teria vendido. Teria brigado mais com a família para manter a usina. Agora, fazer o quê?”