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Na estrada para se tornar imenso canavial de novo

A distância entre o futuro e o passado às vezes depende do ponto de vista. Por exemplo: no Brasil, há filas de dois meses para comprar o Honda Civic, lançado em abril. Ele é idêntico, por fora, ao modelo que circula no resto do mundo.

Descende de uma linhagem nascida nos anos 70 no Japão, ao embalo da primeira crise do petróleo. Pouco poluente, era um modelo de virtudes cívicas. Daí o título que leva na lataria.

A versão básica do novo Civic nacional, com 140 cavalos debaixo do capô, que prometem cobrir 7,5 quilômetros com um litro de gasolina, sai por R$ 62 mil. Com o logotipo EXS e seus devidos penduricalhos, custa R$ 78 mil.

Faltam-lhe, no entanto, detalhes incorporados a seu irmão gêmeo que circula lá fora, como piloto automático e, sobretudo, o logotipo AT-P2EV. Em inglês, a sigla designa um veículo com tecnologia avançada de baixa emissão. No caso, um automóvel híbrido, com dois motores – um convencional, a explosão, outro elétrico, de 93 HPs – que se alternam, para levá-lo o mais longe possível com o mínimo de combustível. Sua bateria dura 10 anos. O consumo fica na faixa dos 22 quilômetros por litro.

Ele bebe três vezes menos que o similar brasileiro e é quase 50% mais barato que o nosso, mesmo equipado com sistema eletrônico de navegação por satélite. Anuncia-se nos EUA como o carro de gente que sabe o que é ser esperto.

Em Gainesville, na Flórida, incorporou-se como atestado ambulante de decência ambiental à frota da GRU, concessionária dos serviços municipais de água, esgoto, eletricidade, gás natural, telecomunicações, parques e jardins. Em Londres, é a radiopatrulha da polícia inglesa. Nos Estados Unidos, foi considerado o veículo mais verde de 2006.

Antes que alguém os confunda, convém avisar que os híbridos de lá pouco ou nada têm a ver com os flexpower daqui, apelido em inglês da tecnologia nativa. Os híbridos usam motor convencional para as arrancadas e elétrico para o resto. Recarregam-se andando. No caso da Honda, os pistões vão parando, um a um, dentro dos cilindros, à medida que alcança a velocidade de cruzeiro.

GATO POR LEBRE

Você ainda terá um? Ninguém sabe. Mas, na dúvida, não custa ficar de olho nos carros híbridos, para não embarcar no programa do etanol e no biodiesel, como se o governo Lula estivesse prestes a resolver os problemas do planeta. Para isso, o Brasil teria, no mínimo, que atear fogo às vestes.

Ou seja, à sua cobertura vegetal.

E não seria a primeira vez.

Já fez isso há 500 anos, quando derrubou a cotação do açúcar no mercado mundial cortando árvores a torto e a direito na mata atlântica. Foi desse jeito que o Nordeste perdeu seus 36,8% de floresta nativa, e ganhou em troca o semi-árido, seu projeto de deserto artificial.

Naquele primeiro surto de desenvolvimentismo colonial, dizia o sociólogo Gilberto Freyre, o canavial desvirginou todo esse mato grosso pelo modo mais cru, deixando em seu lugar o cenário hoje tão nosso que, com um tanto de ironia, chamamos de Zona da Mata nordestina.

Aprendeu-se alguma coisa com a ganância dos engenhos? Quem dera. As últimas lembranças da mata atlântica que restavam em Alagoas nos anos 70 foram queimadas, com incentivos fiscais do Proálcool, na primeira febre de especulação no mercado das energias renováveis.

Agora, com o Wall Street Journal anunciando que o etanol brasileiro pode ser o melhor investimento da guerra no Oriente Médio e o Piauí está pronto para se converter em emirado da mamona, o economista Roberto Schaeffer adverte que, só para mover os 180 milhões de carros dos Estados Unidos, seria preciso encher de cana o dobro da área cultivada no Brasil.

Em outras palavras, fazer do país um imenso canavial. Dito assim, assusta. Mas, pela experiência pátria na matéria, não faltará quem goste da idéia.