A tecnologia bicombustível deu novo impulso ao álcool. Em seu 4º dia, a série de reportagens O novo ciclo da cana mostra que os carros movidos a gasolina e álcool já são maioria no mercado. O maior consumo, no entanto, elevou o preço do combustível, reduzindo sua competitividade. Os textos são de Angela Fernanda Belfort.
O Brasil desenvolveu a tecnologia dos carros bicombustível, é um dos maiores produtores de etanol do mundo, mas tem algo que pode impedir o consumidor de usufruir dessa posição privilegiada: o preço do álcool hidratado. Nos últimos seis anos, o litro do combustível teve um reajuste de mais de 100%. O preço médio do litro do álcool para o consumidor era de R$ 0,98 em 2000 – segundo números da pesquisa do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Joaquim Nabuco. Ontem, custava R$ 1,99 na maioria dos postos do Grande Recife.
Especialistas afirmam que o proprietário de um carro bicombustível só deveria consumir o álcool quando o seu preço corresponde, no máximo, a 70% do valor do litro da gasolina. Essa última apresenta uma performance melhor e resulta em mais quilômetros rodados por litro, proporcionalmente.
O preço do álcool vai se manter em alta por um período entre cinco e dez anos, segundo três economistas entrevistados pelo Jornal do Commercio. Os fatores que contribuem para isso são os aumentos nos preços do petróleo e do açúcar, e a expansão da procura pelo álcool combustível no mercado mundial. Os preços dos dois primeiros também estão relacionados ao preço do álcool no cenário mundial.
“O cenário internacional traz vários fatores que têm segurado o preço do álcool, como a adição à gasolina que está ocorrendo em vários países e a redução da produção de açúcar na União Européia”, cita o professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o economista Ricardo Chaves. A adição do álcool na gasolina aumenta o consumo deste combustível, já a alta do açúcar ocorre, entre outras coisas, porque o mundo consome mais açúcar do que produz há quatro anos (não há desabastecimento porque muitos países têm reservas).
Chaves diz que o preço do álcool só vai cair se a produção do combustível crescer muito mais do que a demanda. Já para o professor de Finanças da UFPE, Pierre Lucena, além das variáveis do cenário internacional também contribui para a alta do preço do álcool o fato de que os produtores e os vendedores do produto são organizados e atuam para que esse preço se mantenha estável.
O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar), Renato Cunha, afirma que os produtores nordestinos receberam, no mês passado, R$ 1,05 pelo litro do álcool hidratado vendido às distribuidoras e que esse valor inclui o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o PIS/Cofins. “Se o litro está sendo vendido por R$ 1,99 para o consumidor, tem algo aí que não é provocado pelo produtor”, defende.
Com o preço do açúcar está em alta este ano, os produtores do Centro-Sul – que dominam 90% da fabricação de álcool no País – vão destinar 50,5% da sua matéria-prima para fabricar açúcar e 49,5% para produzir o álcool, segundo informações da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica). Na safra passada, os produtores do Centro-Sul destinaram 48,5% da sua produção para o açúcar e 51,5% para o álcool.
Os números indicam que vai se fabricar, proporcionalmente, menos álcool no País nesta safra, quando ainda está na memória recente dos consumidores a alta do preço do produto que ocorreu em fevereiro último, quando se chegou a falar até em desabastecimento. Na época, o governo federal chegou a reduzir de 25% para 20% a quantidade de álcool adicionado à gasolina, como forma de diminuir o mercado deste combustível e baixar o preço.
Também neste mesmo período, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a se reunir com empresários do setor pedindo para que eles baixassem o preço do álcool, o que não ocorreu até hoje.
“Não existe mais risco de faltar álcool no País e há um cenário de certa consciência de que temos um produto que pode substituir a gasolina”, diz o diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues. Ele argumenta também que se o produtor quiser, o mercado interno vai ter que manter um preço que seja “confortável” para o usineiro e também para o consumidor.