Felizmente para os empresários europeus, e para muitas autoridades, está claro que a capital do Brasil não se chama La Paz (já se a crise fosse com a Argentina…). Durante o seminário de negócios que se realizou aqui na Áustria paralelamente ao encontro dos chefes de Estado da América Latina, Caribe e União Européia, a interpretação das declarações cada vez mais agressivas do presidente da Bolívia, Evo Morales, contra o Brasil foi de que tudo não passa de um jogo para a platéia — boliviana, principalmente — que tende a se atenuar com a realização das eleições em julho próximo no país vizinho.

Em termos práticos, porém, não há dúvidas de o continente se enfraqueceu nas negociações multilaterais. Falou-se ainda em acordo União Européia-Mercosul, mas o bloco sul-americano tem tantas fraturas que não consegue mais elaborar uma agenda de interesses comuns. Brasil e Argentina até se reaproximaram um pouco, mas o que deve prevalecer daqui para frente é o chamado cada um por si.

Não só a Bolívia tem reclamações. Empresários europeus que investiram no Paraguai dizem que falta colaboração do Brasil. Ao mesmo tempo, como empresas paraguaias, eles acham que terão mais acesso aos mercados da União Européia em áreas consideradas sensíveis, como as que estão relacionadas com a agricultura. Por causa dos preços elevados do petróleo e do Protocolo de Kioto para redução dos índices de emissão de gases poluentes, os europeus andam muito interessados nos biocombustíveis, mas os governos nem querem ouvir falar do álcool ou do biodiesel brasileiros. A União Européia espera que os biocombustíveis se transformem em uma saída para a pouco competitiva agricultura local, que sobrevive à custa de subsídios crescentes e onerosos para os contribuintes.

Entretanto, o biodiesel europeu à base de óleo de colza e canola não teria chance diante do biocombustível processado a partir do óleo de soja brasileiro, por exemplo. Os europeus chegaram a imaginar que a conversão de óleos vegetais para diesel usando o etanol (álcool) em vez do processo tradicional (metanol) não daria certo ou talvez não fosse economicamente tão viável. Muitas usinas que fabricarão biodiesel no Brasil ainda estão no papel — embora já tenham até garantido a venda da produção futura em leilões realizados pela Petrobras — mas aqui o programa é considerado tecnologicamente exitoso.

Então, por tabela, economias pequenas como as do Paraguai e da Bolívia poderiam ser beneficiadas no rastro do Brasil se o Mercosul estivesse mais coeso. Na visão empresarial, a Bolívia de Evo Morales acabaria perdendo duplamente no caso de insistir na briga com o Brasil. Perderia com a retração do mercado brasileiro de gás natural e com uma possível abertura para os biocombustíveis no futuro.

Poucos empresários brasileiros vieram a Viena. As entidades andam desgostosas com os rumos que o Itamaraty tem dado às negociações internacionais e deixaram de mandar representantes para acompanhar as comitivas do presidente Lula nesses encontros multilaterais. Apostam mais em encontros bilaterais, como os que precederam aqui mesmo na Áustria a reunião dos chefes de Estado.

De qualquer forma, está marcado para 2008, em Lima, capital do Peru, o segundo seminário de negócios paralelo à reunião de cúpula de chefes de Estado da América Latina, Caribe e União Européia. Pelo menos em termos de organização não será fácil repetir o seminário de Viena. A Áustria é o país que preside este ano a União Européia, e o comércio exterior aqui é quase uma estratégia nacional, que envolve governo e entidades empresariais. O Brasil tem um comércio da ordem de US$ 500 milhões anuais com a Áustria, o que é proporcionalmente superior ao que os austríacos têm com a China. Além disso, Viena, que já foi capital do sacro império romano, tem mais de cem palácios. O Belvedere sedia o seminário de negócios. Construído pelo príncipe Eugenio de Savóia, que serviu a três imperadores, e do qual se tem uma bela vista — daí o nome Belvedere — de Viena, o palácio hoje é um museu e foi o local escolhido para assinatura do tratado que devolveu a independência para a Áustria em 1955, depois da Segunda Guerra Mundial.

Dos países que estiveram aqui representados, o que marcou mais presença foi o México. Os mexicanos tentam fazer a festa, sem tirar o lugar do Brasil como maior parceiro comercial e economia que mais recebe investimentos da União Européia.

Se a Bolívia aqui ao lado vem dando tantas dores de cabeça à Petrobras, imagine o que poderá ocorrer com a Nigéria, quando a produção de petróleo ou gás da estatal brasileira se tornar relevante por lá. Os nigerianos são mais sutis. Não rasgam contratos, mas, no setor de petróleo diz-se que, quando as receitas das empresas começam a aumentar, eles conseguem obter o que querem por meios informais. Do ponto de vista político ou econômico, o Brasil não tem grande importância para a Nigéria. Mas mesmo os EUA ou a União Européia, com mais poder de convencimento sobre os nigerianos, não deram jeito nisso.

Saio de férias na expectativa de voltar em junho já com os juros básicos reduzidos no país para seus percentuais numericamente mais baixos desde o lançamento do real. Mas pode ser apenas ilusão de quem está buscando fugir da realidade cotidiana.