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Em Dois Córregos, síntese de uma penosa realidade

Os migrantes movimentam uma economia informal, que envolve até prostituição. O assassinato do lavrador George Cordeiro da Silva, no dia 10 de julho de 2004, expôs a chaga aberta pela milionária indústria da cana-de-açúcar no pequeno município de Dois Córregos, a 30 quilômetros de Jaú (SP). Migrado naquele ano de Iati, no sertão de Pernambuco, Géo, como era conhecido, desembarcou na região Centro-Oeste de São Paulo não só com a esperança de encontrar emprego digno, mas também de fugir da jura de morte que recaiu sobre toda sua família, no sertão pernambucano.

Na lavoura paulista de cana, encontrou uma realidade muito pior do que a prometida por quem o recrutou, ainda em Iati. Como terceirizado, sua rotina no “eldorado” do álcool foi marcada por condições precárias de trabalho; moradia infecta; e a morte em uma “vendeta” iniciada na terra natal contra sua família.

Segundo a polícia de Dois Córregos, Géo foi assassinado, depois de fugir para o interior paulista, por ter ajudado o irmão a incendiar o bar de um desafeto em Iati. Responsável pelo caso, o sargento Lázaro Tomazzim relata que só na quarta tentativa o pistoleiro de aluguel Ivanildo Alves de Oliveira, conhecido como “Nego Véio”, conseguiu executar o serviço para o qual fora contratado pelo dono do bar.

Dois Córregos

Ao contrário do que até pode parecer, a história de Géo não foi extraída de um filme de cangaceiros. O episódio foi real e expôs o fenômeno social vivido pelas cidades envolvidas no ciclo de expansão canavieira iniciado nesta década.

A história foi relatada para a equipe deste jornal na segunda semana de abril, a primeira da safra de 2006. Desde 2000, quando as mais de 30 usinas da região decidiram terceirizar a lavoura de cana, Dois Córregos, com seus 25 mil habitantes, tornou-se o dormitório de uma população flutuante de cerca de cinco mil bóias-frias.

Todo ano, entre março e abril, esse contingente desembarca de caminhões, para buscar oportunidades oferecidas pela safra da cana-de-açúcar. Em função da colheita do café, a expectativa para 2006 é de que o contingente supere os 5 mil trabalhadores.

Cidade-dormitório

Típica cidade do interior, cuja geografia é delimitada pela praça principal e algumas ruas de entorno, Dois Córregos vive uma relação ambígua com a migração. Lá, os migrantes movimentam uma verdadeira indústria informal, que envolve prostituição, bares clandestinos e aluguéis de cubículos que chegam a R$ 50 por cabeça.

“Com a cobrança desses aluguéis por cabeça, imóveis avaliados em R$ 500 chegam a render até R$ 2 mil para quem aluga”, afirma o promotor de Justiça de Dois Córregos, André Luiz dos Santos.

“Cabecinhas”

Ao mesmo tempo em que alimenta a economia informal, o contingente transforma a realidade da população local, como bem revela a história de Géo. Nos últimos três anos, o aumento do número de crimes envolvendo os migrantes – denominados pejorativamente na região como “cabecinhas” – motivou um esforço conjunto do Ministério Público do Trabalho de Bauru, do distrito policial local e do Ministério do Trabalho. O principal alvo da ação foram as usinas de cana-de-açúcar, as mesmas que têm lucrado com os altos preços do açúcar e do álcool nos últimos anos.

“No ano passado, a delegacia policial da cidade registrou seis homicídios, todos envolvendo lavradores contratados para os canaviais. Neste ano, como a safra ainda está no começo, ainda não houve casos de mortes, mas é comum, nos fins de semana, fazermos de três a quatro atendimentos por esfaqueamento em brigas – relata a superintendente da Santa Casa de Misericórdia de Dois Córregos, Mara Haddad Scapim.