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Com a grande expansão da cana-de-açúcar, o Brasil está satisfazendo todas as suas necessidades de combustível

PIRACICABA, Brasil – no início da era do automóvel, Henry Ford predisse: “o álcool etílico é o combustível do futuro”. Com o preço do petróleo por volta de $65 o barril, o presidente Bush agora adotou esta visão também. Mas o Brasil já chegou lá.

O ethanol, ou álcool, é popular em postos de combustíveis em São Paulo e por todo o Brasil, pois custa menos do que a gasolina.

Estima-se que o Brasil se transformará, ainda neste ano, um país independente em termos de energia, convergindo sua demanda de combustível através do aumentando da produção do petróleo e do ethanol. Já o uso do ethanol no Brasil, derivado da cana de açúcar, é tão difundido que alguns postos de combustível têm dois jogos de bombas, marcado com A para o álcool e G para gasolina.

Em janeiro, nos Estados Unidos, o presidente Bush patrocinou o financiamento para “métodos de redução de custos na produção do ethanol”, não apenas o ethanol proveniente do milho mas também dos provenientes de resíduos de madeira e de outros vegetais, como grama” com o objetivo de tornar o ethanol competitivo dentro de seis anos.

Mas a trajetória brasileira teve 30 anos de esforço, requerendo muitos bilhões de dólares nos incentivos, e envolveu muitos erros. Como nem sempre foi fácil, podemos ver os indícios dos reais desafios da ambição norte americana.

Oficiais e cientistas brasileiros dizem que, pelo menos no Brasil, as principais barreiras para o vasto uso do ethanol hoje vêm do exterior. O ethanol brasileiro rende quase oito vezes mais energia do que a opção do álcool proveniente do milho, de acordo com dados científicos. Contudo, as pesadas taxas de importação do produto brasileiro limitaram sua entrada nos Estados Unidos e na Europa.

Oficiais e cientistas brasileiros dizem que o rendimento da cana-de-açúcar provavelmente aumentará conforme uma pesquisa recente.

“O combustível renovável foi uma solução fantástica para nós,” disse o ministro da agricultura no Brasil, Roberto Rodrigues, em uma entrevista recente em São Paulo, a capital do estado de São Paulo, que comporta 60 por cento da produção de açúcar no Brasil. “E oferece uma forma de sair da armadilha do combustível fóssil”.

Aqui, onde o Brasil cultivou a cana-de-açúcar desde o século 16, os campos verdes de cana, as hastes que se agitavam delicadamente na brisa tropical, estendidas para o horizonte, produzindo uma colheita que está destinada a ser consumida não apenas como doce e bebidas suaves, mas também nos tanques de milhares de carros.

O uso do ethanol no Brasil foi extremamente crescente nos últimos três anos com a introdução dos “motores flexíveis”, projetados para funcionar com o ethanol, gasolina ou com a mistura dos dois. (A gasolina vendida no Brasil contém aproximadamente 25 por cento de álcool, uma prática que acelerou a substituição do petróleo importado).

Mas os oficiais e os executivos de negócios no Brasil dizem que a indústria do ethanol se desenvolveria ainda mais rápido se os Estados Unidos não cobrasse uma taxa de 54 centavos por cada galão em todas as importações do ethanol de cana-de-açúcar brasileiro.

Com a elevada demanda para o ethanol no Brasil, os produtores de açúcar reconhecem que é impossível agora pensar em exportar para os Estados Unidos. Mas os líderes brasileiros queixam-se que as limitações em Washington inibiram o investimento estrangeiro, particularmente pelos americanos.

Como consequência disso, o desenvolvimento do ethanol foi comandado por companhias brasileiras com capital limitado. Mas, com os preços elevados do petróleo, os quatro gigantes internacionais que controlam grande parte do agribusiness no mundo – Archer Daniels Midland, Bunge e Born, Cargill e Louis Dreyfuss — têm começado a mostrar interesse.

O Brasil diz que eles e outros estrangeiros são bem-vindos. Ciente de que os Estados Unidos e outros países industrializados estão relutantes em negociar sua dependência de petróleo por uma nova dependência de combustíveis renováveis, o governo e a indústria declararam oficialmente que estão dispostos a compartilhar da tecnologia com estes interessados, seguindo o exemplo do Brasil. “Não estamos interessados em nos transformar na Arábia.Saudita do ethanol”, disse Eduardo Carvalho, diretor da União Nacional da AgroIndústria Canavieira, um grupo produtor. “Essa não é nossa estratégia, pois não produz resultados. Como um grande produtor e consumidor, preciso ter grandes compradores e vendedores no mercado internacional se o ethanol está para se transformar em uma commodity, o que é nosso objetivo”.

A rápida expansão do ethanol no Brasil, que se deu no início desta década, após um longo período em baixa, não é o primeiro. Após a primeira crise global de energia, em 1975, o governo introduziu o programa “Pro-Álcool”, e em meados de 1980 mais de três quartos dos 800.000 carros feitos por ano no Brasil já utilizavam o álcool vindo da cana. Mas quando os preços do açúcar subiram repentinamente, em 1989, os proprietários de usinas pararam de disponibilizar a cana para processar o álcool, preferindo lucrar com o dinheiro que os mercados internacionais superiores pagavam.

Os motoristas brasileiros foram deixados de lado, enquanto os fabricantes de carros reorganizaram sua linha de produção para fazer carros de motor à gasolina. O ethanol caiu em descrédito, mais por razões econômicas do que técnicas.

No ano de 1990 permaneceram elevadas as suspeitas dos consumidores, e foram superadas somente em 2003, quando os fabricantes de automóveis, começando pela Volkswagen, introduziram o “motor flexível” no Brasil. Esses motores deram aos consumidores autonomia para comprar o combustível mais barato, livrando-os de todas as possibilidades de falta de combustível. Além disso, os motores movidos somente à álcool podem ser mais lentos quando estão frios, um problema com o qual os consumidores do combustível flexível não precisam se preocupar.

“No começo, os motoristas gostaram do sistema de combustível flexível porque permitia a livre escolha e os colocava no controle”, disse Vicente Lourenço, diretor técnico da General Motors do Brasil.

Hoje, menos de três anos depois da tecnologia ter sido introduzida, mais de 70 por cento dos automóveis vendidos no Brasil, (espera-se alcançar 1.1 milhões este ano) têm motores flexíveis, que tomou o mercado, de modo geral, sem aumento de preços.

“A proporção que esta tecnologia tem sido adotada é notória, a mais rápida que eu já vi na área de automóveis, mais rápida até do que o airbag, a transmissão automática ou vidro elétrico”, disse Barry Engle, presidente da Ford do Brasil. “Do ponto de vista do consumidor, isso é maravilhoso, porque você obtém flexibilidade sem ter que pagar por isso”. Contudo a expansão do ethanol também trouxe a perspectiva das distorções que poderão ser um pouco difíceis de se resolver. A expansão da produção de açúcar, por exemplo, veio basicamente às custas das áreas de pastagem, gerando a preocupação de que a pastagem do gado (outro produto crescente em exportação), poderia ser deslocada para o Amazonas, incentivando assim, um grande desmatamento.

A Indústria e os funcionários do governo dizem que tais preocupações são injustificadas. O fato de as fronteiras de cana estarem se expandindo, argumentam, é um benefício de natureza ambiental a mais, porque torna produtivas as áreas de pastagem abandonadas ou degradadas. E, claro, o ethanol queima de forma muito mais limpa que os combustíveis fósseis.

Os direitos humanos e os grupos de proteção ao trabalhador queixam-se também que a expansão levou os cortadores de cana a mais sofrimento.

“Antes você tinha que cortar, geralmente, 4 toneladas por dia, mas agora eles querem 8 ou 10, e se você não conseguir, será demitido” disse Silvio Donizetti Palvequeres, presidente da União dos trabalhadores rurais em Ribeirão Preto, uma importante área de plantação de cana. “Nós temos que trabalhar muito mais do que trabalhávamos há 10 há anos, e as condições de trabalho continuam ruins”.

Os produtores dizem que esse problema será eliminado na próxima década devido à uma grande mecanização. Uma preocupação muito mais séria, segundo eles, é a falta de infra-estrutura no Brasil, particularmente suas estradas limitadas e mal preservadas. O ethanol pode ser feito pela fermentação de muitas matérias-primas naturais, mas a cana-de-açúcar oferece maiores vantagens do que essas matérias, como o milho, por exemplo. Para cada unidade de energia gasta para transformar a cana em ethanol, é gerado 8.3 vezes a mais de energia, comparado com um máximo de 1.3 vezes com o milho, de acordo com cientistas do Centro de Tecnologia Canavieira, aqui e em outros institutos de pesquisas brasileiros.

“Não há nenhuma razão pela qual não podemos ser capazes de melhorar essa proporção para 10 a 1”, disse Suani Teixeira Coelho, diretor do Centro Nacional de Biomassa da Universidade de São Paulo. “Não é nenhum milagre. Nosso contrapeso de energia é tão favorável não apenas porque temos uma grande produção, mas também porque nós não usamos combustíveis fósseis para processar a cana, o que não acontece com o milho”.

Os produtores brasileiros estimam que têm uma margem sobre a gasolina contanto que o preço do petróleo não reduza para menos de $30 o barril. Mas eles já se aplicaram em melhorias técnicas, que prometem levantar lucros e cortar ainda mais os custos.

No passado, o resíduo que saía da cana quando esta era esmagada, era rejeitado. Hoje, as usinas de açúcar brasileiras utilizam esse resíduo para gerar eletricidade na transformação da cana em ethanol, e usam outros bioprodutos para fertilizar os campos onde a cana é plantada.

Algumas usinas estão produzindo tanta eletricidade desta maneira, que vendem o excesso à Rede Nacional. Além disso, os cientistas brasileiros, com o dinheiro do Estado de São Paulo, mapearam o genoma da cana-de-açúcar. Isso gera a perspectiva de plantar cana-de-açúcar geneticamente modificada, se o governo permitir, o que poderia produzir ethanol ainda mais eficientemente.

“Ainda existe muito potencial biológico a ser desenvolvido, incluindo as variedades da cana que são resistentes aos pesticidas, às pestes e à estiagem”, disse Tadeu Andrade, diretor do Centro de Tecnologia Canavieira. “Nós já tivemos diversas conquistas sem o açúcar geneticamente modificado, e estamos convencidos de que não há um limite máximo na produtividade, pelo menos na teoria”.