Mercado

O País e a oportunidade do álcool

A produção brasileira de álcool está recebendo novas funções. Após consolidar seu “papel” no mercado de combustíveis, o produto pode se transformar também em matéria-prima para a indústria química. Com o preço do barril de petróleo voltando a arranhar a faixa de US$ 70 (o motivo desta semana é a ameaça norte-americana ao programa nuclear iraniano) toda a cadeia produtiva do setor químico procura alternativas para substituição dos insumos derivados do óleo.

Os números dessa hipótese de troca de matriz energética são realmente preocupantes. Na visão de Pedro Wongtschowski, diretor-superintendente da Oxiteno, colocar a álcoolquímica no lugar da petroquímica implica, primeiro, uma revisão do potencial do setor: “Só para o mercado interno a álcoolquímica pode demandar cerca de 7 bilhões de litros/ano”. É aposta de crescimento razoável, considerando que só o mercado doméstico de combustível movimenta anualmente 13 bilhões de litros. A parte destinada ao mercado externo ainda é apenas complementar, alcançando pouco mais de 2 bilhões de litros/ano.

O Brasil está, de fato, nos últimos anos, aproximando a oferta de álcool dessa hipótese de demanda. Nos próximos dois anos serão 19 novas usinas no Estado de São Paulo. A previsão da União da Agroindústria Canavieira (Unica) é de que em até sete anos o Brasil pode ampliar de 6 milhões para 9 milhões de hectares a área cultivada com cana. No entanto, como apontou o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, esta expansão pode não estar destinada apenas à produção da nova matriz energética que despertou ambições até na indústria química.

Rodrigues reconheceu que a oportunidade para que o Brasil seja o grande fornecedor mundial de açúcar e álcool “não tem precedentes na história”. Mas o ministro também disse que o mercado internacional está perguntando: as usinas brasileiras vão produzir álcool para o consumo externo? Ou, como completou Rodrigues: “Será que não vão fazer açúcar, se o preço subir”?

O ministro Rodrigues conhece bem o mercado e os problemas de produção da cana. No começo de março, para evitar a queda do preço do açúcar, a União Européia (UE) anunciou um corte de 13,8% na produção a partir de julho. A UE é a segunda exportadora mundial de açúcar, atrás do Brasil, devido aos pesados subsídios que destina aos produtores. Porém, produção tão subsidiada acaba derrubando preços internacionais do produto e prejudicando a rentabilidade dos exportadores brasileiros. Portanto, a decisão européia de cortar produção beneficia nossos produtores.

O corte na produção européia atingirá 2,5 milhões de toneladas, do total de 17,4 milhões previstos para serem produzidos no bloco neste ano. Na prática, esse corte de produção européia implica maior alta no preço internacional do açúcar nos próximos meses. Ou seja, o alerta do ministro Rodrigues sobre a duração da decisão de produzir mais álcool do que açúcar tem todo sentido.

O Brasil já domina tecnologias necessárias para aproveitar melhor a cana com utilização plena do bagaço e da palha de cana, um avanço na técnica de produção capaz de dobrar a capacidade de geração do bioetanol, sem necessidade de ampliação da área plantada. Este fato pode funcionar como um “colchão” de proteção dos interesses do consumidor e do mercado doméstico de álcool. Porém, o cenário da produção sucroalcooleira tem tamanha volatilidade – seja pelo preço do concorrente petróleo, seja pelos saltos previstos no preço da commodity açúcar – que a proteção da matriz energética álcool precisa estar bem definida.

Brasília não tem emitido sinais convincentes de que pretende estabelecer limites tanto para a venda externa do produto como para a especulação com os preços internos. O acordo que não foi cumprido entre usineiros e governo, do começo deste ano, confirma a fragilidade da ação oficial neste setor. E a indústria química ainda não tinha ainda comunicado o interesse no álcool que agora manifestou.