Mercado

O xadrez da guerra fiscal

É curioso o ponto atual da guerra fiscal entre os Estados. Em um primeiro momento, dava-se em cima do Estado consumidor. Como o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um imposto sobre valor agregado, o pagamento final era do comprador final. Suponha que o fabricante do Estado A devesse pagar 8 de ICMS. O produto era vendido no Estado B, que recolhia 20, mas era obrigado a repassar os 8 para o Estado original, mesmo ele não tendo cobrado do seu fabricante.

A reação começou em São Paulo, ainda no governo Covas, que ameaçou não mais transferir ICMS em cima de produtos com isenção em seus Estados de origem.

O jogo, agora, assemelha-se muito mais a um xadrez. Recentemente, a Secretaria da Fazenda de São Paulo reduziu para 12% o ICMS incidente sobre vários setores, como o têxtil, o calçadista, o de perfumaria e o farmacêutico. A alíquota era de 18%, mas entravam produtos de outros Estados com alíquota de 12%. Além de diminuir a competitividade da produção paulista, havia a transferência de tributos para outros Estados.

Um caso típico era o da farinha de trigo. Suponha um macarrão vendido por 100. O custo da farinha correspondia a 70% do macarrão. A alíquota da farinha importada de outros Estados era de 12%, gerando 8 de crédito tributário. O macarrão era tributado a 7, gerando 8 de impostos. Ou seja, o fabricante de macarrão devia 7, mas tinha 8 de crédito, gerando arrecadação negativa. Aí o governo paulista isentou a farinha, dando condições de competitividade ao trigo paulista e parando de transferir tributos para outros Estados.

O governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto -que ontem anunciou um pacote de desoneração tributária-, entrou na chamada sinuca de bico. Se não reduz a tributação sobre o trigo (e outros produtos onde o Rio Grande é forte), perde investimentos para outros Estados. Se reduz, diminui sua base tributária. Como é que fica?

A redução de alíquota obedece a análises complexas, muitas das quais visando coibir fraudes. No caso dos combustíveis, existe o álcool hidratado e o anidro, misturado à gasolina. A alíquota do hidratado era de 25%. Com esse nível, havia um claro incentivo à sonegação. No anidro, o imposto é diferido (isto é, pago na etapa seguinte) porque será misturado à gasolina. Quem paga é a refinaria. A usina mandava o anidro para o Nordeste, no chamado “passeio das notas”. No meio do caminho, “molhava” o álcool para se tornar hidratado e vendia por São Paulo mesmo. Com a redução da alíquota para 12%, a relação risco/benefício tornou-se desfavorável. O resultado foi um aumento da produção formal de 50% a 60%.

Se, isoladamente, a guerra fiscal pode permitir lances de habilidade daqui ou dali, na soma final é uma loucura. Como é possível às vezes 12 ou 15 legislações de ICMS sobre um mesmo produto, indaga o governador Rigotto?

Esse é um dos nós a serem administrados por um futuro presidente, que resolva encarar a sério a reforma tributária.