Há 30 anos começava a ser construída a primeira destilaria exclusivamente de álcool do País, a Alcída, passo inicial do Proálcool. O local escolhido foi o extremo oeste de São Paulo, na cidade de Teodoro Sampaio, no Pontal do Paranapanema. Apesar do projeto pioneiro, a cana não se espalhou pela região.
Surgiram algumas unidades vizinhas em Presidente Prudente e Presidente Epitácio, mas é a pecuária que move o setor agrícola no Pontal, além da agricultura familiar que começa a se destacar com os assentamentos da reforma agrária. Agora, com a expansão do uso do álcool no Brasil e no exterior, a região aparece como a última fronteira da cana no Estado.
O presidente da Alcídia, Lamartine Navarro Neto, acredita que nos próximos anos a região receberá vários investimentos no setor de açúcar e álcool. Esse é o único lugar em São Paulo onde ainda há grandes extensões de terra pouco exploradas, lembra. Num cálculo superficial, ele destaca que há mais de 1 milhão de hectares de terra próprios para o cultivo. Se pensarmos num uso de 500 mil hectares para a cana, dá para produzir facilmente 30 milhões de toneladas por ano, o que permitiria a construção de 10 a 15 grandes usinas, disse o empresário, filho de um dos principais idealizadores do Proálcool, Lamartine Navarro Filho, que morreu em 2001.
Um passar de olhos no mapa de São Paulo revela o Pontal como um território relativamente pouco explorado. Mas a expansão da cana não é consenso na região, com muitos conflitos fundiários. A possibilidade de instalação de novas usinas de álcool e açúcar tem motivado debates acalorados sobre os projetos de desenvolvimento local.
De um lado, alguns prefeitos e fazendeiros, que vêem na cana uma chance de estimular a economia. De outro, alguns estudiosos em desenvolvimento rural e líderes do Movimento dos SemTerra (MST), que consideram a agroindústria da cana um modelo concentrador de terra e prejudicial ao ambiente. No meio, os milhares dos assentados da reforma agrária, que, ao mesmo tempo, desejam uma nova alternativa de renda, mas duvidam que a cana seja viável para as pequenas propriedades.
A cidade de Mirante do Paranapanema, com 39 assentamentos com quase 1.500 famílias, vive esse debate dentro da sua administração. Eleito no ano passado, o prefeito Eduardo Quesada Piazzalunga, do PFL, faz parte de uma coligação que reúne, entre outros, PMDB, PV e PT.
Ele defende os investimentos de usinas. Precisamos criar empregos, temos uma grande população rural, com muitos jovens que precisam de alternativas. Se considerarmos que cada família assentada tem três filhos, vamos precisar de pelo 5 mil empregos nos próximos anos, argumenta o prefeito, que é o dono da usina de leite da cidade.
O secretário de Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente, Itamar Cavalcanti, do PT, discorda. Nós defendemos um novo modelo de ocupação agrícola no Pontal, com prioridade para a agricultura familiar e não patronal. Não sou contra o agronegócio, mas não acredito que a cana seja uma atividade adequada às pequenas propriedades, além de ser uma monocultura, que prejudica a biodiversidade, diz Cavalcanti, que também é cientista ambiental.
O principal líder do MST na região, José Rainha, também é contra. Cana não é cultivo para pequeno e médio. O que gera emprego e renda é a reforma agrária, diz. Ele aposta no biodiesel que, na sua opinião, pode ser feito com culturas mais adequadas para os pequenos, como a mamona, de colheita manual. Defendemos também que a agroindústria seja de propriedade dos próprios assentados. Rainha deu a entrevista ao Estado, por telefone, de Brasília, para onde tinha viajado com o objetivo de confirmar a visita do presidente Luis Inácio Lula da Silva a Mirante, em 26 de novembro. Um dos pedidos ao presidente será uma usina de biodiesel na cidade.
O prefeito de Mirante busca um discurso conciliatório. Sou aliado do Zé Rainha em muitos projetos. A reforma agrária movimentou a cidade. Mas acho que a cana pode conviver perfeitamente com a reforma. Na sua opinião, a cultura pode ser produzida nas propriedades regularizadas. Para atrair investidores, Piazzalunga preparou um material de divulgação, com vídeo, destacando 25 mil hectares disponíveis para arrendamentos.
O medo do conflito de terras é um dos fatores que afastou projetos de novas usinas na região, na opinião de Navarro Neto. Há também a desvantagem do solo arenoso, mas não seria um empecilho. A produtividade gira entre 60 e 80 toneladas por hectare, dentro das médias do Estado, acrescenta o dono da Alcídia.
O grupo Alto Alegre, com indústrias em Presidente Prudente e em Colorado, no Paraná, cogitou instalar uma nova unidade em Mirante do Paranapanema. Após várias reuniões, optou pela cidade paranaense de Santo Inácio. O diretor do grupo, Marcelo Tenório de Freitas, disse que a decisão foi por conta da infra-estrutura e da logística. Ele acredita que a cana se tornará a principal atividade agrícola do oeste do Estado, pois é mais rentável que a pecuária extensiva.
E com a redução das áreas disponíveis, a cana se aproxima cada vez mais do centro do Pontal, diz o professor da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz da USP (Esalq), Gerd Sparovek. A cultura já se expandiu para outras regiões de solo arenoso no Estado. Para o professor, a cana pode também se transformar em uma alternativa para o assentado. Tudo depende de um projeto de desenvolvimento, acrescenta. A principal atividade dos assentados é a pecuária de leite, mas com baixa produtividade, principalmente porque falta suplementação alimentar no inverno, época da seca. As usinas podem oferecer aos assentados uma ração muito barata, feita do bagaço hidrolisado e de leveduras, resíduos da produção de açúcar e álcool, explica Sparovek. Se houver um projeto que inclua todas as partes, é possível criar uma sinergia que pode dar bons resultados para a região.