Mercado

A revolução da cana

No Brasil, a cultura da cana-de-açúcar ficou associada durante séculos a engenhos antigos, transporte em lombo de burro, coronéis e escravos. Quem visitar a usina Petribú Paulista, a empresa CanaVialis ou conhecer o ambicioso projeto da Petrobrás de construir dutos para exportação de álcool terá uma surpresa. Vai descobrir que houve uma revolução de negócios e de tecnologia no setor. Usinas moderníssimas controladas por computadores, laboratórios que fazem seleção genética da cana e usineiros que negociam ações na Bolsa de Valores ou no mercado futuro – essa é a nova estampa que o choque de modernidade produziu no setor. “A imagem do passado desapareceu. Houve uma evolução impressionante na cultura da cana e hoje o Brasil já é o líder mundial em tecnologia, além de ser o maior produtor e exportador de açúcar e álcool do planeta”, diz Eduardo Pereira de Carvalho, presidente da União da Indústria Canavieira do Estado de São Paulo (Unica). Nesse novo cenário, a expectativa é de que, nos próximos cinco anos, a riqueza gerada pela cana salte dos atuais R$ 40 bilhões para R$ 56 bilhões por ano.

Há uma razão forte para tamanha euforia. O álcool tornou-se a maior aposta econômica do país para as próximas décadas. O crescimento das vendas de carros bicombustíveis no Brasil e a procura por fontes alternativas de energia mais baratas e menos poluentes que o petróleo no mundo dispararam o gatilho dos investimentos. Até 2009, 52 novas usinas entrarão em funcionamento com uma injeção na economia que chegará a R$ 12 bilhões. As 320 usinas já existentes também estão sendo ampliadas e modernizadas. O objetivo é aumentar a produção brasileira de 15 bilhões de litros para 27 bilhões nesse período. “Embora o açúcar esteja com bom preço no mercado internacional, ele está em segundo plano. Hoje é o álcool que está na mira dessa turma”, diz Gil Barabachi, analista da consultoria Safras e Mercados.

Na nova fornada de usinas que já começam a sair do papel há muitas novidades. Nelas não se encontra nenhuma lembrança das moendas ou engenhos antigos. Tome-se o exemplo da Petribú Paulista, localizada em Sebastianópolis do Sul, interior de São Paulo. Ela pertence à família Petribú, tradicionais usineiros de Pernambuco. Agora, eles estão expandindo seus negócios em São Paulo. A primeira linha de moagem, inaugurada em 2004, é considerada uma das mais modernas do mundo. Seu projeto foi desenvolvido por arquitetos brasileiros, com a consultoria de especialistas sul-africanos e argentinos. No meio da usina, existe um prédio de sete andares, recoberto com vidro espelhado, de onde se controla toda a produção através de computadores. Dessa torre, pode-se observar desde a moagem da cana até o processamento do açúcar e do álcool. A destilaria de álcool, com capacidade para processar 400.000 litros por dia, é operada por apenas três pessoas. “Aqui temos 100% de automatização na área industrial”, diz Jorge Petribú Filho, diretor-industrial da unidade. Quando a Petribú estiver funcionando a pleno vapor, vai moer 4 milhões de toneladas de cana por ano. E no futuro terá 14 tanques com capacidade para armazenar até 70 milhões de litros de álcool.

Como a Petribú, estão surgindo outras usinas modernas: a Vertente, no interior de São Paulo, e a Coruripe, em Minas Gerais, por exemplo. O que chama a atenção é o novo perfil desses usineiros. Além de fazer investimentos pesados com as boas perspectivas do álcool, já falam em abrir capital na Bolsa e querem expandir seus negócios para outros ramos de atividade. O Grupo Cosan, do maior usineiro do mundo, Rubens Ometto, com faturamento de R$ 2 bilhões por ano, começará a vender ações na Bolsa de Valores de São Paulo em novembro. O empresário José Carlos Toledo, da usina Equipav, é também dono, junto com outros dois sócios, de concessionárias de veículos, empresas de construção e acaba de entrar no ramo de saneamento básico. De seu faturamento de R$ 700 milhões neste ano, os negócios da cana representam R$ 280 milhões. “É nosso carro-chefe. Mas estamos sempre abertos para novos negócios.” Toda essa turma recebe quase semanalmente propostas de grupos estrangeiros interessados em entrar no mercado brasileiro. Os alemães da Sudsucker e Nordsucker e os dinamarqueses da Danisco estão nessa fila. “Há interesse porque os usineiros se profissionalizaram, trabalham em parceria com institutos de pesquisa para melhorar a qualidade da cana e ganhar ainda mais competitividade. Hoje eles são verdadeiros executivos tocando os negócios”, diz Heloisa Lee, professora da Esalq, a escola de agricultura da USP.

As oportunidades com o álcool estão atraindo inclusive grupos nacionais de peso que não eram do ramo. Em 2003, a unidade de novos negócios do Grupo Votorantim, encarregada de pesquisar empreendimentos do futuro, criou a CanaVialis, na região de Campinas, interior de São Paulo. Com um investimento inicial de R$ 25 milhões, a CanaVialis é um imenso laboratório para seleção genética e desenvolvimento da cana-de-açúcar. Tudo é feito num ambiente controlado em salas com nomes de ficção científica, como Jardim Clonal e Biofábrica. Algumas delas têm os mesmos cuidados exigidos de um centro cirúrgico de um hospital de primeira linha. A cada ano, sai de lá 1,5 milhão de sementes para ser plantadas e testadas em três fazendas, chamadas de estações experimentais, espalhadas pelo país. Cada uma das plantas é marcada com etiquetas de leitura óptica.

“Resolvemos investir em cana-de açúcar porque esse é um dos negócios mais promissores do Brasil nos próximos anos”, diz Paulo Henrique de Oliveira Santos, presidente da Votorantim Novos Negócios e responsável pelo garimpo de oportunidades em novas áreas. Na CanaVialis, o Votorantim se associou a dois dos mais famosos pesquisadores de cana-de-açúcar do país, Sizuo Matsuoka e Hideto Arizono, responsáveis pelo desenvolvimento de 60% das variedades em uso na Região Centro-Sul brasileira. O primeiro objetivo da CanaVialis é fazer, com mais recursos e tecnologia, um processo tradicional na agricultura, a seleção genética. Quer desenvolver variedades que produzam mais açúcar e sejam mais resistentes a doenças e problemas de clima.

Mas o projeto final é muito mais ambicioso. A CanaVialis está instalada ao lado de outra empresa de biotecnologia do Grupo Votorantim, a Alellyx. Ali, os cientistas alteram a composição genética da cana pesquisada na CanaVialis. Ou seja, produzem cana transgênica. Já estão em fase de testes duas variedades altamente produtivas e resistentes a doenças. As duas empresas pesquisam também uma variedade própria para plantio na região do Cerrado brasileiro. Outras pesquisas beiram o limite da imaginação. “Acreditamos que a cana será usada para produzir moléculas que servirão de matéria-prima para plásticos”, diz o cientista Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios e presidente da Alellyx. Em outras palavras, a empresa acredita que a cana pode substituir parcialmente o petróleo não só no fornecimento de combustível, mas também como matéria-prima da indústria química. “A fotossíntese é o caminho do futuro, e o Brasil tem condições privilegiadas para a produção de biomassa”, diz Reinach.

Há outros centros de excelência em pesquisa da cana que deram o empurrão para que o Brasil ganhasse força nesse setor. O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) é uma entidade que reúne 114 associados – entre usineiros e plantadores – e desenvolve novas variedades de cana, máquinas e tecnologias que inclusive utilizam imagens de satélite para orientar o plantio. Nasceu com o programa e o dinheiro do Proálcool, nos anos 70. Naquela época, produziam-se 3.000 litros de álcool por hectare plantado. Hoje, produzem-se 7.000 litros. O Brasil tinha apenas dez variedades de cana. Hoje tem 500. “Até o período da safra aumentou de 150 para 220 dias”, diz Antonio de Pádua, diretor da Unica.

Na semana passada, a Unica lançou o mais completo trabalho sobre a cana da atualidade. O livro A Energia da Cana-de-Açúcar reúne 12 estudos de especialistas sobre a agroindústria da cana no Brasil. Faz um retrato das transformações que ocorreram no setor, os impactos econômicos, no meio ambiente, no emprego. E aponta as perspectivas para o futuro. Foi organizado pelo pesquisador e professor Isaias de Carvalho Macedo. “A idéia é mostrar como estamos e onde podemos melhorar”, diz. No caso do álcool, o pesquisador lembra que o interesse é enorme porque ele se tornou o primeiro biocombustível a ter preço competitivo em relação ao do petróleo. “Com um barril de petróleo a US$ 25, o álcool já era competitivo. Imagine com o barril a US$ 60”, diz Isaias.