O preconceito que se abate sobre a agricultura no Brasil, é particularmente acentuado em relação à cultura da cana-de-açúcar, gramínea que vem acompanhando a história do País nestes 500 anos. Isso apesar de o setor agroindustrial fabricante de açúcar e álcool possuir os menores custos de produção do mundo; produzir em larga escala energia limpa e renovável, o álcool, para mover motores e aditivar gasolina, melhorando sua qualidade; ter um grande potencial de geração de energia e enorme capacidade de seqüestro dos gases do efeito estufa; apresentar baixos níveis de erosão e de utilização de produtos químicos; empregar mão-de-obra de forma intensiva, dotada de remuneração e registro em carteira, em níveis que estão bem acima da média do setor agrícola e até mesmo do setor de serviços dos pequenos e médios municípios.
A despeito de todos esses requisitos elogiados lá fora, até nos rígidos fóruns internacionais onde se discute a questão ambiental, o setor sucroalcooleiro vem sendo castigado pela saga “justiceira” de algumas autoridades judiciárias do Estado de São Paulo, que insistem em proibir a queima controlada da cana-de-açúcar, mesmo que esteja em vigor uma Lei, já bastante rígida, e que exige uma série de condicionantes para a prática, além de determinar sua eliminação gradativa.
O pretexto destas autoridades está baseado em suposições, segundo as quais o “carvãozinho” da cana tem potencial cancerígeno e provoca doenças respiratórias. São suposições que não se sustentam e que já foram largamente desqualificadas por estudos do Núcleo de Monitoramento Ambiental da Embrapa e por renomados especialistas em toxicologia e saúde pública como são os casos do Dr. Anthony Wong, do Centro de Atenção Toxicológica do Hospital das Clínica e do Dr. Giorgy Miklos Bohn, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Na verdade, trata-se de argumentos que escondem uma questão ideológica ligada ao uso da terra e ao tipo de atividade agrícola a ser desenvolvida no País.
Considero essa discussão uma grande bobagem, uma ideologização, dos tempos da guerra fria e anterior à derrubada do muro de Berlim. Mas já que está sendo levantada, gostaria de citar duas argumentações originárias da mesma preocupação e cujas conclusões são opostas:
1- Em Seminário realizado no final do ano passado pelo Instituto da Cidadania, um promotor público, árduo defensor do fim imediato da queima como método despalhador na cultura da cana-de-açúcar, citou os poderes conferidos ao Ministério Público pela constituição de 88, para justificar sua luta contra as queimadas que, para ele, insere-se no contexto de uma luta maior contra o sistema plantation e a monocultura.
2- Em março de 1998, os pesquisadores José Sidinei Gonçalves e Sueli Alves Moreira de Souza, do Instituto de Economia Agrícola publicaram um estudo intitulado “Proibição da queima de cana no Estado de São Paulo: simulação dos efeitos na área cultivada e na demanda pela força de trabalho”, em cuja sinopse está registrado que o “trabalho analisa o impacto da aplicação do Decreto Estadual nº 42.056/97 (decreto anterior a atual Lei nº 10.547 e que dispõe sobre a proibição da despalha da cana para indústria por queima) sobre o emprego e a renda da agropecuária paulista. Mostra os efeitos sociais perversos, em especial sobre a demanda de força de trabalho e a área plantada, dos pleitos dos ambientalistas antiqueima, bem como as possibilidades de incorporação de suas teses pelas grandes usinas (…)”.
Tanto na fala do promotor como no estudo dos pesquisadores do IEA está embutida uma preocupação com a concentração da terra e do capital. Paradoxalmente, no entanto, enquanto o promotor vê no fim da queima um ato contra a monocultura e o sistema plantation, os pesquisadores do IEA demonstram que a mecanização da lavoura canavieira, decorrência do fim da queima, ocasiona um sério risco de eliminação dos pequenos produtores e concentração maior de terra e renda nos grandes conglomerados agro-industriais.
Especialmente no Estado de São Paulo, a discussão que cabe é sobre o planejamento agrícola e a expansão e fortalecimento da agroindústria. A minha avaliação é que a melhor forma de se criar riquezas e distribuir renda é possuir economia de escala e ser competitivo. Do contrário estaremos acreditando que, no caso da agroindústria canavieira, o melhor seria milhares de pequenas propriedades com engenhos primitivos, produzindo cachaça e rapadura. E mais: homens e mulheres se embrenhando pelo canavial cru, lutando com seus facões contra o sol, as folhas cortantes e os animais peçonhentos.
A mecanização na agroindústria canavieira é inevitável, assim como é inevitável a concentração de capital e a busca cada vez maior de competitividade. No entanto, esse processo precisa ser realizado de forma gradativa e associado a políticas de reciclagem e reaproveitamento dessa mão-de-obra, hoje desqualificada, em outros setores da atividade, alternativos ao corte manual da cana. Um exemplo disso é a questão da co-geração de energia, que na medida em que se desenvolva, exigirá um volume cada vez maior de palha, tornando antieconômica a queima e poderemos desde já imaginar que muitos dos trabalhadores do corte manual poderão estar sendo utilizados, por exemplo, nesta nova atividade.
Em suma, para perseguir o caminho do desenvolvimento sustentável, é preciso agir com olhos voltados para o futuro e ampliar os horizontes. Do contrário, estaremos de volta ao carro do boi e à economia de subsistência.
Eduardo Pereira de Carvalho, economista, é diretor-presidente da Unica – União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo