As chuvas ocorridas durante o mês de setembro, na Região Sudeste, diminuíram o risco de racionamento de energia elétrica para o próximo ano. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), até dezembro de 2000, os reservatórios de água das usinas do Sistema Sudeste e Centro-Oeste estarão com 25% de sua capacidade preenchida. Isto é um alívio quando comparamos com igual período em dezembro de 1999, quando estavam com 18% de sua capacidade preenchida. Ademais, as chuvas do segundo semestre de 2000, acabam atuando positivamente sobre o cenário de 2001. Mas, qual será o cenário a partir de 2002?
Alguns especialistas do setor elétrico acreditam que para cada acréscimo percentual do PIB, há necessidade de um crescimento de 2% na oferta de eletricidade. Mesmo para uma estimativa conservadora, do Ministério de Minas e Energia, a capacidade instalada nacional de energia elétrica deverá crescer 40% até 2004 para suprir o aumento de demanda. Isto representaria, de 2001 à 2003, um acréscimo médio de 6,6 mil MW à capacidade instalada nacional.
Para evitar um possível “gargalo” ao crescimento da economia nacional, o governo federal tem implementado políticas de curto prazo para o setor elétrico. Entre essas políticas estão a criação de linhas de financiamento e a importação de eletricidade. Quando lembramos que o Brasil é o principal produtor de açúcar do mundo e, por conseguinte, de bagaço de cana-de-açúcar, algumas observações podem ser elaboradas diante da opção do governo federal por tais ações de curto prazo.
A primeira observação diz respeito ao aspecto de financiamento do setor elétrico nacional. Em fevereiro de 2000, por meio do BNDES, foi criada uma linha especial de crédito para o setor elétrico, denominada Programa Prioritário de Termoelétricas. Essa linha de financiamento tem como objetivo principal estimular a implantação, no curto prazo, de projetos de expansão da capacidade instalada do sistema elétrico brasileiro. O Programa beneficiou 49 projetos considerados prioritários pelo Ministério de Minas e Energia, sendo que apenas seis usinas não utilizarão o gás natural como combustível. Assim, o gás natural parece ser a principal fonte energética para suprir o esperado crescimento da economia brasileira. A preocupação do governo parece justa pois a oferta de gás tem superado à demanda: os contratos de suprimento são rígidos e de longo prazo (do tipo take or pay) e a rede de distribuição ao consumidor final ainda é pouco extensa. Esse cenário conduz a paradoxos como a queima de seis milhões de metros cúbicos de gás – ou sua reinjeção nos poços – por falta de ampliação da capacidade de transporte e distribuição ao consumidor final.
Todavia, o gás natural leva desvantagem no aspecto preço em relação à geração por meio do bagaço, pois, segundo a CPFL, o MWh gerado no setor sucroalcooleiro custa entre R$ 25,00 e R$ 40,00, enquanto o MWh gerado à gás é estimado em R$ 60,00. Ademais, os investimentos em termelétricas à gás natural apresentam elevado risco cambial, devido ao preço da commodity ser cotado em dólar e as tarifas, reajustadas anualmente, são praticadas em reais. Apesar de não resolvido, o Ministério de Minas e Energia chegou a sinalizar a possível transferência do risco cambial para as tarifas de energia elétrica. Os investidores aguardam a definição sobre a responsabilidade do risco cambial, o governo se desgasta internamente entre a Aneel e o Ministério de Minas e Energia e o consumidor tem a sensação de que pagará a conta deste imbróglio. Enquanto isso, as obras para viabilizar a entrada em operação de 3,3 mil MW para o próximo ano parecem entram em compasso de espera e estão indefinidas para o ano de 2002.
Uma segunda política de curto prazo adotada pelo governo tem sido a importação de energia elétrica de países vizinhos. Esses países são Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai. Segundo o Professor José Goldemberg, da USP, já está autorizada a entrada de 5,4 mil MW. Todavia, se todos os projetos em andamento forem concretizados, ocorrerá uma despesa anual de US$ 700 milhões, agravando as perspectivas de recuperação da nossa balança comercial. Essa despesa não ocorreria caso optasse pela geração de energia elétrica por meio do bagaço. Dessa forma, a política de curto prazo para o setor elétrico parece carecer de um melhor planejamento e de uma visão sistêmica. Não há como considerar privilégio a apenas uma fonte na matriz energética brasileira. Temos que compor um “portfolio” de fontes de geração. Mesmo considerando que a geração de energia elétrica por meio do bagaço não representa a solução de longo prazo para a expansão da oferta, essa alternativa não pode ser desprezada em um contexto de curto prazo, pois, de acordo com a Aneel, as usinas sucroalcooleiras de todo o País têm capacidade para gerar dois mil MW no curto prazo, com a tecnologia disponível atualmente, sendo mil MW somente na região de Ribeirão Preto. A expectativa é que esse nível de produção possa ser alcançado até 2006. Para tanto, a Agência calcula que são necessários investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão. Esse valor parece elevado em termos absolutos, todavia, deve-se analisá-lo em termos relativos.
Considerando que o Estado de São Paulo é um importador líquido de energia elétrica: do início do ano até setembro de 2000, importamos cerca de 40% do consumo total de energia. Isso se deve, principalmente, ao descompasso da expansão entre a oferta e o consumo de energia: enquanto a produção de energia elétrica, até setembro deste ano, cresceu 2,38 %, o consumo cresceu 5,63% no mesmo período. Dessa forma, dois mil MW pode parecer pouco frente à capacidade instalada no país (cerca de 64 mil MW), mas são representativos quando se considera a dificuldade de balancear o consumo e a oferta de energia neste Estado e sua representatividade apenas sobre o parque gerador instalado no Estado de São Paulo, da ordem de 13.189 MW, ou seja, o potencial de co-geração sucroalcooleira representa mais de 15% do total de MW instalado no Estado de São Paulo.
Ademais, o volume de recursos requeridos para o setor sucroalcooleiro é um valor próximo ao dos empréstimos fornecidos pelo BNDES, cerca de R$ 1,48 bilhão, a 40 ex-estatais e concessionárias privadas desde 1995 para financiar a modernização e a expansão dessas companhias. Também é equivalente ao 1,8 bilhão de reais disponibilizado pelo BNDES ao Programa Prioritário de Termoelétricas.
Dessa forma, dinamizar essa fonte de geração renovável é importante diante do cenário previsto de curto prazo para o setor elétrico, mesmo que algum tecnocrata afirme que os números da geração de energia elétrica sucroalcooleira não são significativos do ponto de vista macro do sistema elétrico nacional. Para tanto, sugere-se a implantação imediata de um programa prioritário específico para a co-geração de eletricidade por meio do bagaço, visando a expansão dessa fonte de geração. Esse programa deverá abordar não somente aspectos de financiamento, mas também quanto à comercialização da energia co-gerada pelo setor sucroalcooleiro.
Por fim, não espera-se um programa de privilégios para o empresário sucroalcooleiro, mas apenas roga-se por um tratamento com maior isonomia para esse agente que também pertence ao setor elétrico nacional, ou seja, uma análise mais sistêmica por parte dos órgão de fomento do setor elétrico. Aliás, esgotar as alternativas de geração de energia elétrica menos onerosas e de caráter renovável é uma lição básica para um bom planejador.
Zilmar José de Souza é economista formado pela FEARP/USP, mestre em Economia
Aplicada pela ESALQ/USP e doutorando em Engenharia de Produção pela UFSCar.
Atualmente, é especialista em energia da Comissão de Serviços Públicos de Energia do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]