A venda direta de etanol hidratado, das usinas aos postos de combustíveis sem a intermediação de distribuidoras, vem provocando intenso debate no setor sucroenergético brasileiro, no mercado de distribuição de combustíveis e na mídia. Em vigor desde 14 de setembro, a medida conta com apoio em diversas regiões do país, onde condições locais permitem que ela gere benefícios para produtores e consumidores.
Uma das principais entidades que atuou na defesa da tese da venda direta desde 2018 foi a Associação de Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia – NovaBio, que reúne 35 usinas e destilarias de etanol em 11 estados brasileiros e representa institucionalmente produtores em diversas localidades onde a venda direta tem maior potencial para se consolidar, como mais um canal logístico de vendas.
No sentido de garantir que os objetivos pretendidos e agora viabilizados com a venda direta cheguem a todos os que agora podem, de alguma forma, participar e contribuir com esse processo, o presidente da NovaBio, Renato Cunha, abordou o tema em dez perguntas essenciais. Cunha também preside o Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco – Sindaçúcar-PE, e é vice-presidente do Fórum Nacional Sucroenergético (FNS).
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- O que se pretende com a venda direta do etanol?
Ela otimiza a logística de distribuição, permitindo a redução nos custos do frete e criando a possibilidade de preços mais atrativos para o consumidor, sempre dentro das regras de mercado. A venda direta também traz ganhos para o meio-ambiente porque contribui para a redução de emissões, diminuindo as distancias percorridas para que o etanol chegue aos postos de combustíveis.
- Como o consumidor pode ser beneficiado pela venda direta?
Dependendo das condições de mercado no momento da comercialização, a venda direta favorece uma grande economia de fretes. Evitam-se os chamados “fretes mortos”, que são idas e vindas desnecessárias do etanol ate a distribuidora e de volta ao posto que, às vezes, fica próximo da usina que produziu aquele etanol. São reduções de custo que podem chegar ao preço pago pelo consumidor.
- A venda direta tinha o objetivo de impactar amplamente o preço do etanol na bomba?
Sempre ficou bem claro que qualquer ganho para o consumidor poderia ocorrer onde os produtores e postos adotarem a venda direta. É uma alternativa ao modelo atual, que cria uma nova opção para o produtor vender, já que nem sempre as distribuidoras querem comprar. É importante frisar esse aspecto pois às vezes aparecem comentários confusos, dizendo que a venda direta não vai beneficiar consumidores, deixando a impressão de que o objetivo da medida era impactar de forma ampla e geral o preço do etanol na bomba. Basta examinar o processo para concluir que as condições de mercado variam muito de região para região e nem todas vão adotar a venda direta. Portanto, um efeito amplo sobre preços seria impossível apenas com a venda direta.
- E para o produtor, qual o benefício?
Antes da venda direta, quando uma distribuidora por qualquer motivo optava por não comprar o etanol do produtor, o mesmo não tinha o que fazer com o seu produto, criando problemas para a estocagem e o fluxo de caixa, com pagamentos fixos e ascendentes de salários e despesas. Agora, o produtor tem a alternativa de vender o seu produto diretamente para o posto, sem abrir mão da possibilidade de venda para uma distribuidora, se essa for a melhor opção.
- Como uma usina pode economizar em fretes e outros custos?
A economia nos fretes e a eficiência no abastecimento direto aos postos darão a dimensão da redução do preço ao consumidor, que vai depender do repasse que o posto fizer ao definir o preço na bomba. É preciso que o dono do posto avalie duas situações: a distância entre o posto e o produtor e a distância do produtor até a distribuidora e ao posto. Ou seja, a intermediação da distribuidora, em situações de maiores distâncias, implica em processo comercial com mais etapas, enquanto a venda direta envolve somente duas. Com a venda direta, usinas próximas aos postos economizam no frete. Em casos específicos, as distâncias percorridas entre as bases produtivas e de consumo final podem cair, por exemplo, de 170 quilômetros para até 10 quilômetros.
- A venda direta representa alguma ameaça ao sistema atual de distribuição?
Não há risco para os grandes grupos empresariais, que em alguns casos são ao mesmo tempo produtores e distribuidores. A venda direta é uma disrupção, mas só vai acontecer em localidades e situações onde fizer sentido. Não ha como acontecer uma desorganização do modelo de comercialização existente e consolidado há muitos anos. Cabe lembrar que a venda direta é uma operação opcional. Cada posto pode comprar diretamente da usina ou da distribuidora. Essa e uma vantagem onde se estabelece competição saudável entre o produtor e a distribuidora.
- Como a venda direta pode beneficiar o Programa RenovaBio?
O RenovaBio e uma iniciativa pioneira do governo brasileiro para a descarbonização das matrizes de combustíveis e do transporte veicular no Brasil. Vai ser uma peça fundamental para o país na próxima reunião da ONU sobre mudanças climáticas, marcada para novembro na Escócia. A venda direta claramente beneficia o RenovaBio por reduzir emissões de gases do efeito estufa (GEEs) no transporte de etanol por caminhões movidos a combustíveis fosseis. O Brasil é protagonista ativo da transição ambiental, que já incide sobre os transportes para uma economia de baixo carbono e o RenovaBio é uma robusta ação público-privada, estruturante no longo prazo. Contamos com cerca de 360 usinas no país e mais de 10 milhões de hectares de cana, que representam 1% da área plantada do país. Temos como crescer mais em produtividade e também, horizontalmente, em bases muito sustentáveis.
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- Quais os riscos de sonegação fiscal e de perda da qualidade do etanol com a venda direta?
Todas as operações de venda direta somente são autorizadas com a quitação antecipada do ICMS e PIS/Cofins. Isso se faz por meio de um mecanismo de substituição tributária que, por si só, impede a sonegação. Sobre qualidade, todo o etanol vendido no Brasil, seja para a distribuidora ou diretamente para o posto, tem que atender padrões muito rígidos. Há contraprova numerada e lacrada, certificados de análise do produto inclusive com registro dos dados do caminhão que faz o transporte e nota fiscal de venda eletrônica. Nesses dois itens, não há por que imaginar riscos.
- Existe algum levantamento sobre o potencial de adesão dos produtores à venda direta?
A venda direta cria uma nova cadeia de varejo, com segurança de fornecimento e aumento do leque de agentes comerciais. O produtor passa a participar da alternativa do varejo, e não somente das vendas no atacado para as distribuidoras. É o que chamamos de “atacarejo”. Isso representa uma nova era que, por sinal, chega com atraso. Veja o caso da energia elétrica, onde o produtor tem flexibilidade para vender sua energia para uma distribuidora ou diretamente a um grande consumidor não cativo, em operações que se dão no mercado livre. Isto é economia de mercado. Se vale para a energia elétrica, por que não vale para a energia veicular do biocombustível?
- Os estados estão preparados para a substituição tributária que vem com a venda direta?
Todos os estados estão aptos a realizar a venda direta por meio da substituição tributária. Pernambuco, Mato Grosso e Rio Grande do Norte são exemplos de estados onde tudo está pronto. Minas Gerais e Alagoas estão bastante adiantados. Alguns ainda precisam se adequar, como São Paulo, por exemplo.