Uma pesquisa coordenada por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização vinculada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), aponta que o etanol de cana-de-açúcar brasileiro polui menos do que se imaginava. O estudo, publicado na Renewable & Sustainable Energy Reviews, propõe um novo fator de emissão de óxido nitroso (N2O) para o cálculo de emissões de gases de efeito estufa (GEE) na produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil.
Este estudo, feita em colaboração com pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), valorizou a pesquisa realizada no Brasil na última década e obteve, de forma inédita, fatores regionais de emissão de N2O resultantes da aplicação de fertilizantes nitrogenados em áreas de cana-de-açúcar.
A pesquisa revelou que o uso do fator regional resulta em uma redução de 19% nas emissões totais do etanol de cana, quando comparado ao uso do fator padrão proposto pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC).
De acordo com a publicação, é importante ressaltar que todos os estudos anteriores ao nosso, em função da ausência de fatores regionais, usaram o fator padrão do IPCC para estimar as emissões de GEE do etanol de cana.
Os pesquisadores englobaram neste estudo as emissões de N2O resultantes da aplicação de diferentes fertilizantes nitrogenados, vinhaça, torta de filtro e inibidores de nitrificação em todo o ciclo produtivo da cana-de-açúcar e estimaram também o potencial ganho de rentabilidade econômica com a obtenção de certificados de descarbonização (CBIOs), caso esses novos dados sejam considerados nos cálculos.
O estudo revisou todos os artigos disponíveis na literatura que quantificaram, em condições de campo, as emissões de N2O resultantes da aplicação de fertilizantes nitrogenados (nitrato de amônio, sulfato de amônio e urea) e resíduos agroindustriais (vinhaça e torta de filtro) em áreas de cana-de-açúcar na região Centro-Sul do Brasil, que responde por aproximadamente 90% da produção nacional.
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“Nós obtivemos fatores de emissão regionais que representam as condições de clima e solo aqui da região Centro-Sul do Brasil, pois pudemos calcular exatamente quanto de gases do efeito estufa se emite por cada quilograma de fertilizante nitrogenado aplicado no solo”, explica João Luís Nunes Carvalho, pesquisador do CNPEM.
No estudo do CNPEM, o fator de emissão regional médio foi de 0,72%, ou seja, 28% menor que a referência internacional. Além do fator médio, o trabalho obteve fatores de emissão específicos para cada tipo de fertilizante nitrogenado aplicado ao longo do ciclo produtivo da cultura. Vale ainda ressaltar, que a grande maioria dos fatores de emissão elencados neste estudo foram menores que 1%, com exceção da aplicação conjunta de fertilizantes nitrogenados e vinhaça.
A publicação aponta ainda que este é um ponto de muita atenção e que estratégias alternativas de uso e manejo da vinhaça, tal a aplicação de fertilizantes e vinhaças em diferentes épocas, e ainda a biodigestão e/ou concentração de vinhaça, devem ser incentivadas visando mitigar tais emissões no campo.
Segundo Carvalho, este foi o primeiro esforço em reunir dados medidos para derivar fatores regionais de emissão de N2O de solos sobre cana-de-açúcar no Brasil, e sugere que novos estudos devem ser incentivados visando refinar tais estimativas.
O impacto do uso dos fatores regionais de emissão de N2O nas emissões do etanol de cana-de-açúcar também foi um dos principais objetivos desta pesquisa. Utilizando a Biorrefinaria Virtual de Cana-de-Açúcar (ferramenta desenvolvida pelo CNPEM e bastante reconhecida internacionalmente), observou-se que a utilização dos fatores regionais reduziu em 19% (média das três principais fontes nitrogenadas) a pegada de carbono do etanol de cana-de-açúcar.
“Também fizemos os cálculos de incerteza das emissões do etanol e os valores relacionados ao uso dos fatores regionais são menores que os que compõem o fator de referência do IPCC”, pontua Carvalho.
O último objetivo do estudo foi calcular o potencial benefício econômico da adoção do fator regional de emissão de N2O para obtenção de créditos de descarbonização (CBIOs) previstos no programa RenovaBio.
Foram usados como parâmetros dados de operação de uma usina na região Centro-Sul com capacidade de processamento de 4 milhões de toneladas de cana por ano. Como critério conservador, foi selecionado o cenário de aplicação de nitrato de amônio, fonte nitrogenada que resultou em maiores emissões do etanol, portando o contexto menos favorável.
“Quando se aplicou o fator do IPCC observou-se que a usina emitiu 176,5 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano. O percentual de emissão evitada em relação à gasolina é estimado em 73% e resultaria na obtenção de 485 mil CBIOs, o que equivale a cerca de US$ 4,85 milhões (considerando um valor de US$ 10 por CBIO). Aplicando o fator regional, estimou-se emissão de145,2 milhões de toneladas de CO2 equivalente. O percentual de emissão evitada em relação à gasolina alcança 78 %, o que credenciaria a empresa a obter 517 mil CBIOs e um valor estimado em US$ 5,17 milhões”, informa a publicação.
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Em outras palavras, o uso do fator regional resulta em maior quantidade de CBIOs e mais benefícios econômicos para os produtores brasileiros. A publicação aborda ainda que a adoção de outras estratégias de manejo, tal como o uso de inibidores de nitrificação reduzem ainda mais as emissões na cadeia produtiva do etanol e aumentam a quantidade de CBIOs obtidos.
O componente econômico, vindo do aumento na obtenção de créditos de descarbonização, pode contribuir para financiar atualizações tecnológicas necessárias para que esse segmento produtivo se torne cada vez mais eficiente e sustentável.
“O etanol de cana já é considerado um biocombustível avançado e estamos propondo um fator de emissão de N2O que reduz em 19% esta emissão. Esta redução é fruto da pesquisa realizada no país. Vale ainda salientar, que além de apresentar um fator regional mais condizente com a realidade local, podemos buscar meios para reduzir ainda mais as emissões de carbono do etanol de cana.
“Devemos pensar no tipo de fertilizante nitrogenado, formas de aplicação de vinhaça, uso de inibidores de nitrificação e melhores práticas de manejo que resultem em mitigação das emissões”, destaca o pesquisador do CNPEM.