Mercado

Mercado interno de álcool é prioridade do setor

O álcool pede passagem. Espremido entre o atendimento da demanda e o aumento da exportação do açúcar, esse badalado combustível voltou a ser alvo de polêmica por causa do risco de desabastecimento do mercado interno. O apertado estoque do produto motivou discussões sobre a possibilidade de redução da mistura do anidro na gasolina de 25% para 20% – alternativa ainda não totalmente descartada -, o que representaria a diminuição de 100 milhões de litros mensais no mercado. Mais do que isto, o assunto lançou dúvidas sobre a viabilidade de um novo programa de álcool devido a uma hipotética impossibilidade do setor em atender uma nova demanda. “Os carros não correriam o risco de ficar, mais uma vez, parados na garagem por falta de combustível?”, chegaram a questionar os mais apressados.

Nada disso. O setor sucroalcooleiro garante que tem álcool suficiente para o chamado estoque de passagem – volume necessário para o abastecimento no período de entressafra – e, também, se adaptaria ao aumento do número de veículos movidos a álcool e ao início da produção dos carros bicombustíveis. O economista Antonio de Pádua Rodrigues, da Assessoria de Planejamento e Economia da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo – Unica, lembra que as usinas produzem, em média, 11 bilhões de litros por ano, mas têm capacidade para produzir até 16 bilhões. O que não dá para fazer, segundo ele, é estocar o produto. Além do custo da armazenagem, essa medida pressionaria o preço para baixo, desestimulando a produção. “Com a expansão do mercado interno, seria preciso apenas plantar mais cana”, observa.

Quanto ao estoque de passagem, Antonio de Pádua acredita que é possível chegar, até o final de abril de 2003, com um pouco mais de álcool do que o total de abril deste ano. Ele calcula que a safra 2002/03 terá, ainda, 100 milhões de litros, que somados aos 280 milhões, projetados para a produção de março e abril, resultarão num estoque de 380 milhões de litros. Em abril de 2002, o total ficou em 350 milhões de litros – 70 milhões da safra anterior e 280 milhões produzidos no início da moagem. Segundo dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e do Abastecimento, o Brasil vai produzir nesta safra 12,45 bilhões de litros, com um consumo interno estimado em 12,1 bilhões de litros e uma exportação de 600 milhões de litros, o que resulta numa diferença de 250 milhões de litros.

‘Primeiro o mercado interno, depois a exportação’

Nem mesmo o álcool que virou açúcar deverá provocar o desabastecimento. A produção antes destinada ao álcool foi canalizada para o açúcar devido aos contratos de exportação firmados por diversas usinas e com o preço mais atrativo a partir de agosto.

É certo que a safra 2002/2003 tornou-se predominantemente açucareira: 52% do processamento de cana estão sendo destinados à produção de açúcar e 48% para o álcool que costumava ficar com 60% da moagem.

“Mas, o setor está se mobilizando para discutir que deve garantir, em primeiro lugar, o abastecimento interno de açúcar e álcool, para depois pensar na exportação”, diz o economista Antonio de Pádua Rodrigues, da Assessoria de Planejamento e Economia da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo – Unica, com sede em São Paulo.

Redução do percentual de álcool aumentará preço da gasolina

O próprio governo não tem, na verdade, intenções em reduzir o percentual da mistura do álcool na gasolina. Segundo José Nilton de Souza Vieira, coordenador geral de acompanhamento e avaliação do Departamento do Açúcar e do Álcool do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a medida desestimularia a produção de álcool na próxima safra. Além disso, a redução implica em um aumento da gasolina entre 3% a 4%, caso seja mantida a cotação elevada do dólar, que insistia em permanecer acima de R$ 3,50 até meados de novembro.

“Estamos analisando todos os fatores com cuidado”, observa José Nilton. Se a alteração da mistura e um novo reajuste da gasolina não são bem vistos, existe, por outro lado, uma situação de incerteza e insegurança gerada pelo reduzido estoque de álcool.

O representante do Ministério de Agricultura reconhece que estoque da safra de 2002/03 e o a produção inicial da próxima safra serão suficientes para o atendimento das necessidades do mercado interno Mas, ele teme que um período prolongado das chuvas pode no entanto, retardar o início da moagem da cana, o que comprometeria o abastecimento.

O aumento do consumo do álcool, em 2002, acaba, dificultando também, o cálculo da relação entre oferta e demanda para a entressafra.

Novas medidas podem estimular produção

A criação de mecanismos que assegurem boas condições de negociação para o álcool, no mercado interno, pode ser a melhor alternativa para manter o equilíbrio entre demanda e estoque, sem o comprometimento do abastecimento. “É necessário observar que as distribuidoras fazem o pedido com o menor prazo possível, enquanto os contratos de exportação são fechados com bastante antecedência”, compara José Nilton de Souza Vieira, do Ministério de Agricultura.

O financiamento da estocagem, que está disponibilizando R$ 500 milhões, até o final de dezembro, poderá se tornar, por exemplo, um dos caminhos que possibilitará um melhor planejamento da safra por parte das usinas. “Essa medida estimula a produção e evita a variação de preços”, elogia Antonio de Pádua, da Unica.

José Nilton lamenta apenas que o financiamento chegou um pouco tarde para a safra 2002/03. “A idéia era disponibilizar os recursos no início de agosto, quando as usinas poderiam rever os estoques”, afirma. O atraso ocorreu por conta da necessidade de aprovar uma lei de crédito, já que esse dinheiro não estava previsto no Orçamento da União. A lei, que estabelece o financiamento da estocagem de álcool, foi aprovada no dia 13 de maio desse ano. Outra discussão, que está diretamente ligada à estabilização da produção e do preço, é o custo do transporte. “O álcool, produzido no Mato Grosso e transportado para o Amapá e Roraima, tem um custo muito elevado”, exemplifica o coordenador de acompanhamento e avaliação do Departamento de Açúcar e Álcool.

Para o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Sérgio Amaral, a implantação do imposto de exportação para o açúcar – sempre que houver a transferência da produção do álcool – poderá ser uma alternativa para garantir o abastecimento do mercado interno. Em meio a polêmica sobre o abastecimento interno, as vendas de veículos a álcool registraram o maior volume desde agosto de 1994, atingindo 8.844 automóveis e veículos comerciais leves.

Com um olho no estoque e outro no dólar, o governo procura administrar a situação. Na próxima reunião de avaliação e acompanhamento do setor, marcada para 11 de dezembro, em Brasília, o tema voltará, inevitavelmente, à pauta. “A safra ainda não está encerrada para aproximadamente 20 unidades que finalizarão a colheita no início do mês”, lembra Antonio de Pádua, da Unica, que participa das reuniões setoriais.

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