Ao longo da história, os seres humanos sempre tiveram uma postura puramente extrativista em relação aos recursos naturais. A adoção do processo de produção em massa, desencadeado pela Revolução Industrial, acelerou o nível de degradação ambiental que alcançou níveis antes inimagináveis. Com sua arrogância, o homem achava que poderia controlar e utilizar a natureza ao seu bel-prazer. Mas, as recentes catástrofes naturais demonstraram que o crescimento descontrolado tem seu preço e já estamos pagando por isso. O ano de 2004 foi marcado por furacões, inundações, aumento da ocorrência de chuvas torrenciais, longas secas e o derretimento de geleiras, que fizeram o mundo voltar seu olhar aos desdobramentos da 10ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-10. São representantes de 194 países, dezenas de ONGs e organismos intergovernamentais discutindo o aquecimento global – e mais precisamente o nosso futuro, que pode ser comprometido por essas mazelas.
Diante deste quadro crítico, é com muito entusiasmo que vejo, neste início de milênio, uma mudança no comportamento da sociedade em relação ao meio ambiente. As discussões em torno da redução das emissões de poluentes causadores do efeito estufa começam a tomar forma com a ratificação do Protocolo de Kyoto, programada para fevereiro de 2005, no sentido de não só enfrentar as conseqüências das mudanças climáticas, mas também na busca por soluções para suas causas.
A decisão russa de ratificar o protocolo – que pretende reduzir as emissões de gases de efeito estufa (em especial o gás carbônico, ou CO²) em 5,2%, entre 2008 e 2012 – trouxe o incentivo que faltava para a mesa de negociação, e o antes embrionário mercado de créditos de carbono começa a despertar o interesse das empresas brasileiras.
Como reduzir as emissões no Primeiro Mundo é muito caro, o protocolo prevê três “mecanismos de flexibilização” para as nações ricas. Um deles é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, ou MDL, onde países desenvolvidos podem comprar créditos de carbono (ou seja, direitos de poluição) de países em desenvolvimento. Outro mecanismo é a implementação conjunta, na qual países ricos negociam créditos de carbono entre si. Um terceiro é o chamado “ar quente” russo, o CO² que a Rússia deixou de produzir após o colapso da União Soviética. Aliás, a Rússia será o fiel da balança deste novo mercado, ou seja, o país ficou com um estoque de “créditos” que pode depreciar o valor global da tonelada de gás carbônico, hoje em torno de US$ 5. Isso seria ruim para o Brasil, que quer ganhar dinheiro vendendo créditos por meio do MDL.
Mesmo assim, o Brasil poderá exercer um papel de protagonista no combate ao efeito estufa, graças à sua experiência com biocombustíveis, especialmente o álcool. Nada menos que 40% do total das emissões do Brasil, causadas pelo uso dos combustíveis fósseis nos transportes, é absorvido pelo álcool que usamos como aditivo. Japão, União Européia e Estados Unidos – alguns estados norte-americanos já adotaram o etanol como aditivo da gasolina como forma de reduzir a emissão de poluentes. Isso nos credencia como um dos poucos países capazes de exportar álcool combustível e tecnologia para produzi-lo. Isso sem falar nas perspectivas para o biodiesel.
Além disso, temos grandes possibilidades de lucrar com projetos destinados à eficiência energética na indústria, como: a utilização do gás metano para geração de energia elétrica, a exemplo do que ocorre no aterro sanitário de NovaGerar (RJ) ou na Metalúrgica Gerdau; na utilização de gás natural usado nos fornos e nas caldeiras das indústrias, também utilizado pela Gerdau e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST); o bagaço da cana, onde temos ótimas possibilidades de expansão com as 320 usinas sucroalcooleiras espalhadas pelo País; e nos programas de florestamento e reflorestamento destinados à produção de celulose ou de madeira. A comercialização dos créditos de carbono proporcionará um retorno financeiro que seria suficiente para cobrir os investimentos e, ainda, gerar uma receita adicional.
As projeções são que apenas a comercialização de créditos de carbono deverá movimentar no País, entre 2008 e 2012, mais de US$ 1 bilhão por ano. Os mais otimistas falam em até US$ 100 bilhões. E o Brasil deverá iniciar a comercialização de contratos de créditos de carbono no segundo semestre de 2005, com o recente anúncio do convênio entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F), que lançarão, simultaneamente, os mercados primário, de negociações bilaterais; e secundário, de contratos futuros.
Resta, agora, o governo exercer o seu papel de agente financiador de projetos específicos na área de MDL, para impulsionar de vez a entrada do País neste novo mercado. Afinal, além da excelente oportunidade de negócios, precisamos definir que herança queremos deixar para os nossos filhos – se um mundo mais limpo ou praticamente irrespirável.
Arnaldo Jardim é deputado estadual e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável, e-mail: [email protected] e [email protected]