José Farias Sales é agricultor familiar. Nascido em Crateús (CE), a 360 quilômetros de Fortaleza, ele faz parte de um grupo de 28 famílias dos assentamentos Santana I e II. Desde que foi assentado, em 2000, ele vive do milho e do feijão e não tem acesso a água tratada, sistemas de esgotos, energia elétrica ou telefonia. “Assentar é como casar. Existe muita promessa, mas ninguém tem idéia do que vai ser no fim”, afirma. A partir de janeiro de 2005, ele participará do Projeto B2, lançado pela Brasil Ecodiesel em 2003 para a produção de biodiesel à base de óleo de mamona.
O projeto tem por objetivo alcançar uma produção de 700 milhões de litros de biodiesel de mamona em 2007. Para isso, serão assentadas 7 mil famílias em 1 milhão de hectares. Ao todo, serão desenvolvidos dez núcleos de produção de mamona no Ceará, Piauí, Maranhão, Pernambuco e Bahia.
Hoje, o programa atua em duas frentes: o assentamento de famílias e os consórcios de produção com agricultores já assentados pelo governo. Nelson Côrtes da Silveira, diretor-geral da Brasil Ecodiesel, explica que, nos dois casos, a empresa fornece insumos e garante o pagamento de até 60% da produção em contratos de adiantamento. Os assentados pelo projeto assinam contrato de dez anos e recebem R$ 0,40 por quilo de mamona. Contam com 18 hectares para plantar e têm de destinar pelo menos 7,5 hectares à mamona. Ao final de dez anos, ficam com a escritura da terra. No caso dos já assentados, o contrato é de dois anos e o preço é de R$ 0,50 por quilo.
A Brasil Ecodiesel calcula que cada núcleo tenha capacidade de produzir, por ano, 7 milhões de litros de óleo 4,5 mil toneladas de feijão. “Nos primeiros seis anos, a empresa fará um adiantamento de safra”, informa Silveira. Cada família deve receber aproximadamente R$ 450 por mês com mamona e outros R$ 250 mensais com feijão.
Nas duas situações, os agricultores são divididos em núcleos, com 700 famílias cada, divididas em 20 células, cada uma com um círculo com 35 casas (como os kibutz de Israel). Cada núcleo terá escola, posto de saúde, centro comunitário com acesso à internet, restaurante, hotel e quadra esportiva.
Até aforam, participam 1,5 mil famílias assentadas no Ceará e a meta é fechar o ano com 4,5 mil famílias no Estado, 2 mil no Piauí, 3 mil em Pernambuco, 1,5 mil na Bahia e 2 mil no Maranhão. Há 40 mil hectares plantados e a idéia é chegar a 100 mil em 2005. Neste ano, a empresa já investiu cerca de R$ 26 milhões e prevê aplicar outros R$ 48 milhões em 2005. “A meta é recuperar os investimentos em cinco ou seis anos”, diz Silveira. A empresa espera atingir 20 milhões de litros em 2005 e chegar à marca de 300 milhões no ano seguinte.
José Ferreira de Souza, presidente da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Vila da Graça, em Crateús, também produzirá para a empresa em busca de melhores condições de vida. O assentamento Vila da Graça reúne 72 famílias e 35 já aderiram à proposta. “As famílias plantam feijão e milho e cada uma recebe em média R$ 1,5 mil por ano. A previsão é dobrar esse valor com a mamona”, diz. O grupo vai plantar 70 hectares em janeiro e a área deverá chegar a 500 hectares no futuro.
Em março deste ano, o primeiro núcleo de assentados, que leva o nome de Santa Clara, foi implantado em Canto do Buriti (PI). Pereira conta que com o projeto as famílias assentadas tiveram sua renda mensal familiar elevada de R$ 50 para R$ 250. “Foram gerados 3 mil postos de trabalho e o índice de mortalidade infantil, que era de 45 por mil na região, caiu para zero”, diz Silveira. Ele associa o resultado à implantação dos sistemas de água, esgoto, iluminação e abertura de posto de saúde. Segundo ele, o índice de evasão é de 3%, contra 50% dos assentados pelo governo.
A produção do Piauí (6 mil toneladas) será enviada à usina de esmagamento Rio Poty, em Crateús (CE), reaberta na quinta-feira. Com a entrada da nova safra, em abril, a expectativa é processar 45 mil toneladas de óleo de mamona. Em 2005, a Brasil Ecodiesel abrirá outra unidade em Floriano (PI), que receberá a produção do Estado. Também há projetos de usinas no Maranhão e Pernambuco. A produção será vendida a distribuidoras de combustíveis, e a empresa negocia embarques ao Canadá e Inglaterra. No exterior, a tonelada do óleo de mamona sai por US$ 800.
Mesmo começando a operar agora, a usina já traz efeitos à Crateús, que tem 71 mil habitantes. Lúcia Gomes, dona da Oriente Pousada, uma das três da cidade, diz que a reforma da usina fez aumentar o número de hóspedes. A cidade não é ponto turístico e a última indústria a jogar as fichas ali foi a Canindé Calçados, que empregou 3 mil pessoas por seis anos e fechou neste ano por dificuldades para exportar. “A cidade oferece dez anos de isenção fiscal e geralmente as empresas se mudam depois disso”.
Emanuel Mendes, matemático formado pela Universidade Vale do Acaraú, de Sobral (CE), trabalhava como digitador na Prefeitura de Independência, cidade vizinha. Há 45 dias, ele e outros 12 foram contratados para atuar como agentes rurais no projeto. Quando começar a esmagar, a usina empregará outras 30 pessoas.
A Brasil Ecodiesel investiu neste ano R$ 26 milhões nos projetos existentes nos cinco Estados. Em 2005, a idéia é implantar núcleos em Parambu (CE), Alvorada Gurguéia (PI) e um terceiro no Piauí ou em Pernambuco. Conforme Silveira, cada núcleo demandará R$ 16 milhões e a empresa busca financiamento junto ao Banco do Nordeste e ao BNDES.
Os governos federal e do Ceará assinaram com o setor privado um protocolo de intenções para desenvolver projetos de inclusão social a partir da produção de biodiesel. Miguel Rossetto, ministro do Desenvolvimento Agrário, disse que o governo está estudando uma política de incentivos fiscais para a produção de biodiesel, tendo como prioridade a região semi-árida. “O governo tem confiança na capacidade de resposta do Nordeste”.