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Brasil revê acordo sobre o clima

O Brasil está perdendo a oportunidade de tomar a dianteira numa área considerada crucial tanto para o meio ambiente quanto para a economia: a venda de créditos de carbono a países que precisam reduzir suas emissões de gases que contribuem para o aquecimento global. O alerta foi feito este mês por políticos e especialistas em clima.

Um acordo negociado entre Brasil e Alemanha em 2002 previa o aumento da frota nacional movida a álcool em 100 mil carros. Na época, ficou acertado que a Alemanha transferiria ao Brasil R$ 100 milhões para viabilizar o projeto.

Em troca, ela ficaria com os créditos de carbono decorrentes do uso de um combustível limpo. O acordo, entretanto, jamais saiu do papel. O governo garante que o projeto está sendo reavaliado.

Segundo o Protocolo de Kioto — o acordo internacional para a redução da emissão de gases que provocam o aquecimento global — apenas os países desenvolvidos têm obrigação de reduzir suas emissões de poluentes.

O protocolo parte da premissa que esses países basearam seu desenvolvimento na emissão desses gases e, por isso, devem pagar a conta do aquecimento do planeta.

O acordo prevê, entretanto, que na impossibilidade de reduzirem essas emissões em seu próprio território, eles podem comprar as reduções feitas por países de industrialização mais recente, caso do Brasil.

Em outras palavras, por meio do chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), os países ricos ganham o direito de continuar emitindo gases do aquecimento global, desde que reduzam as emissões em outros pontos do mundo. E paguem por isso.

— Com grande força simbólica, a assinatura do acordo entre Brasil e Alemanha abria caminho para a aplicação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo — aponta o deputado federal Fernando Gabeira (sem partido-RJ).

Depois de dez anos rodando, os 100 mil novos carros teriam deixado de lançar na atmosfera cerca de sete milhões de toneladas de dióxido de carbono.

— Tenho certeza de que isso é bom para o Brasil e espero que esse acordo seja retomado — defende o pesquisador Luiz Gylvan Meira Filho, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

— Vale lembrar que o acordo foi transformado em lei, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional.

Governo defende renegociação do acordo

Segundo defensores do acordo, o Brasil só teria a ganhar com sua implementação. Para a produção adicional de 430 milhões de litros de álcool combustível por ano, necessários para abastecer a nova frota, as plantações de cana seriam aumentadas em 67 mil hectares, gerando 20 mil novos empregos.

Além disso, os compradores dos carros teriam um desconto de R$ 1 mil. Sobretudo, dizem, o país perde a chance de realizar um gesto emblemático em prol das fontes renováveis de combustível.

— O carro a álcool emite menos CO2 e ainda contribui menos para a poluição urbana — lembra Meira. — O que falta é regulamentar a lei.

Para o deputado federal José Sarney Filho (PV-MA), o Brasil teria um ganho inquestionável:

— O acordo abre novas perspectivas tanto para a indústria automobilística quanto para os produtores de álcool.

Pode-se abrir uma fronteira inesgotável na exportação. Sem falar do lado ambiental. Acho que o governo deveria olhar essa questão com mais carinho.

Sarney Filho e Gabeira estiveram reunidos há três semanas com o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, com quem trataram do tema.

— O Brasil pode produzir energia para mover as máquinas do mundo — diz Gabeira.

O governo garante que não engavetou o projeto, mas estuda alterações.

O Ministério da Ciência e Tecnologia informou que o acordo está sendo reestudado pelos dois países.

A revisão do compromisso é motivada por “mudanças conjunturais”, entre as quais o fato de carros a álcool não estarem mais sendo produzidos no país.

Com a mesma intenção de gerar créditos de carbono a serem vendidos para outros países, inclusive a Alemanha, o governo cogita agora usar a frota de veículos multicombustíveis e não mais de carros a álcool.

O tema está sendo discutido nos ministérios do Desenvolvimento, do Meio Ambiente e também na Casa Civil da Presidência da República.