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Estudo do Ipea aponta gargalos do crédito rural

Não é novidade que o crédito rural disponibilizado pelo governo federal para custear as safras agrícolas do país, ainda que crescente, segue insuficiente. Com isso, os recursos próprios dos produtores e a atuação das agroindústrias no financiamento de seus fornecedores mostraram-se fundamentais para o avanço dos agronegócios brasileiros nos últimos anos, num modelo de negócios que tende a ter vida longa. Mas pesquisa concluída pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado ao Ministério do Planejamento, mostra que, em áreas do Centro-Oeste e do Nordeste, os limites de renda para as tomadas de financiamento chegam a ser entraves tão importantes quanto a própria escassez de recursos oficiais.

De autoria de José Garcia Gasques, Carlos Monteiro Villa Verde e José Arnaldo de Oliveira, técnicos de planejamento e pesquisa do Ipea, a pesquisa “Crédito Rural e Estruturas de Financiamento” analisa o cenário no Paraná, no Mato Grosso, no Vale do São Francisco e no Ceará, com informações levantadas entre junho e agosto de 2003 a partir de questionários e de entrevistas aplicadas a governos, instituições, cooperativas e empresas públicas e privadas. “De uma maneira geral, constatamos que os maiores problemas estão no Centro-Oeste e no Nordeste”, afirma Gasques, que coordenou o trabalho.

Grande parte do diagnóstico do Centro-Oeste foi feito a partir de pesquisas em Sorriso (MT), que retrata a produção de grãos em grandes propriedades da região. Ali, diz o técnico, as indústrias respondem por mais de 50% dos financiamentos concedidos aos agricultores, com juros superiores a 20%, ante a taxa de 8,75% de custeio do crédito rural. Gasques observa que, numa conjuntura favorável como a das três últimas safras, os juros mais elevados cobrados pelas indústrias se diluem com as boas margens de lucro. Mas com um cenário mais adverso como o previsto para ciclo 2004/05, essa diferença passa a representar um obstáculo.

Para o especialista, a forte presença das agroindústrias reflete os baixos limites para a tomada de crédito rural. No caso do algodão, por exemplo, os limites de financiamento do plano agrícola desenhado pelo Ministério da Agricultura permitem crédito rural para cerca de 200 hectares, o que corresponde a uma renda bruta anual de R$ 200 mil por produtor. Só que a área média das propriedades com algodão é muito maior. Nesse caso, Gasques acredita que o lançamento de novos títulos de crédito agrícola pelo governo, previsto para este mês, poderá reduzir a dependência direta dos produtores dos recursos das indústrias.

Também a área de fruticultura irrigada de Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), no Vale do São Francisco, esbarra nos limites de tomada de crédito rural e, ainda, na excessiva burocratização dos processos de liberação, conforme o coordenador da pesquisa. “Grandes projetos de fruticultura irrigada desenvolvidos na região também usam recursos próprios e de empresas. Só que em áreas menores, com difícil acesso ao capital, a escassez de crédito rural limita a entrada de pequenos agricultores na produção de frutas como manga e uva. As frutas tem valor maior que o grão, o que dificulta o uso de recursos do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], que têm juros subsidiados”.

No Ceará, Gasques destaca experiências com microcrédito, que vêm motivando a capilaridade da estrutura de financiamento. Mas, novamente, o limite [R$ 1.000 por produtor] para a tomada de recursos surge como trava. “Como a inadimplência é muito baixa, é possível reduzir os juros para valores superiores a esse”. No Paraná e no Sul do país em geral, finalmente, a capilaridade decorrente de um forte perfil cooperativista e associativista e o menor tamanho médio das propriedades rurais tornam menos problemática a estrutura de crédito, sempre conforme Gasques.