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A bomba-relógio do aquecimento global

O fenômeno é real e as consequências potencialmente desastrosas. Mesmo assim, ações práticas poderiam desacelerar e, no futuro, deter o processo.

Iceberg solta-se da geleira de San Rafael no Chile. A desintegração global de massas de gelo tem potencial para elevar o nível do mar em vários metros ou mais. As graves consequências de uma elevação do nível dos oceanos estabelecem o limite inferior de quanto o planeta pode esquentar sem causar caos social.

O paradoxo da noção do aquecimento global causado pelo homem tornou-se bastante evidente para mim certa tarde de verão em 1976 na praia de Jones Beach, Long Island. Chegamos por volta do meio-dia, eu, minha esposa e meu filho, e logo encontramos um local perto da água para evitar a areia escaldante. Quando o sol se pôs, no final da tarde, uma forte brisa oceânica levantou ondas encarneiradas. Meu filho e eu sentimos frio enquanto corríamos ao longo da praia espumejante e olhávamos as ondas revoltas.

Naquele mesmo verão Andy Lacis e eu, ao lado de outros colegas do Goddard Institute of Space Studies, da Nasa, havíamos estimado o efeito dos gases de efeito estufa sobre o clima. Na época, era fato bem conhecido que os gases de efeito estufa produzidos pelo homem, especialmente o dióxido de carbono e clorofluorcarbonetos (CFCs) estavam se acumulando na atmosfera. Esses gases são uma “forçante” climática, uma perturbação imposta sobre o balanço de energia do planeta. Como um cobertor, eles absorvem radiação infravermelha (calor) que de outra forma escaparia da superfície da Terra e da atmosfera para o espaço.

Nosso grupo havia calculado que estes gases antropogênicos estavam aquecendo a superfície da Terra à razão de quase 2 W/m2 (dois watts por metro quadrado). Uma minúscula lâmpada de árvore de Natal dissipa cerca de 1 W na maior parte sob forma de calor. Portanto, era como se os seres humanos tivessem colocado duas dessas lampadazinhas sobre cada metro quadrado da superfície terrestre, acesas dia e noite.

O paradoxo apresentado por este resultado era o contraste entre as espantosas forças da natureza e as pequeninas lâmpadas. Com certeza seu fraco aquecimento não poderia comandar o vento e as ondas. Mesmo seu aquecimento imperceptível da superfície oceânica deveria rapidamente dissipar-se através da grande profundidade; logo, levaria muitos anos, talvez séculos, para o aquecimento superficial final ser alcançado.

Este aparente paradoxo foi amplamente resolvido através de um estudo da história do clima da terra, revelando que pequenas forças, mantidas por tempo suficiente, podem causar grande mudança climática. E, em consonância com evidências históricas, a Terra começou a se aquecer em décadas recentes a uma taxa prevista pelos modelos climáticos que levam em consideração a acumulação de gases produzidos pelo homem. O aquecimento está causando impactos observáveis com o recuo de geleiras em todo o mundo. O gelo marinho do Ártico está mais fino e a primavera chega cerca de uma semana mais cedo que nos anos 50, quando eu era menino.

Mas, muitas questões permanecem sem solução. Quanto vai mudar o clima nas décadas futuras? Qual serão as conseqüências práticas? Devemos fazer alguma coisa, e o quê? Trata-se de um debate acalorado devido aos aspectos econômicos em jogo.

A análise objetiva do aquecimento global requer conhecimento quantitativo de três questões: a sensibilidade do sistema climático a forçantes, o grau da forçante que os humanos estão introduzindo, e o tempo requerido para o clima responder. Todos esses temas podem ser estudados mediante modelos climáticos globais, que são simulações numéricas nos computadores. Mas nosso conhecimento mais preciso sobre sensibilidade climática, pelo menos na atualidade, baseia-se em dados empíricos da história da Terra.

As Lições da História

Nos últimos poucos milhões de anos, o clima da Terra tem oscilado repetidamente entre eras glaciais e períodos interglaciais quentes. Um registro de 400 mil anos de temperatura está preservado no manto de gelo da Antártida, o qual, exceto nas margens costeiras, escapou ao derretimento mesmo nos períodos interglaciais mais quentes. Este registro (ver box na pág. seguinte) sugere que o período presente interglacial (o Holoceno), atualmente com cerca de 12 mil anos, já está durando demais.

As oscilações milenares naturais do clima estão associadas às lentas variações da órbita terrestre induzidas pela gravidade de outros planetas, principalmente Júpiter e Saturno (por serem tão pesados) e Vênus (por estar tão perto). Essas perturbações pouco afetam a energia solar média que atinge a Terra, mas alteram a distribuição geográfica e sazonal dessa energia, ou insolação, em até 20%. As mudanças de insolação, em períodos longos, afetam a formação e fusão das capas de gelo.

A insolação e mudanças climáticas também afetam a absorção e liberação de dióxido de carbono e metano pelas plantas, solo e oceano. Os climatologistas estão ainda elaborando um entendimento quantitativo dos mecanismo pelos quais o oceano e continentes liberam estes gases quando a Terra se aquece, mas os dados paleoclimáticos já são uma mina de ouro de informação. A compreensão mais crítica oferecida pelas oscilações das eras glaciais é uma medida empírica da sensibilidade climática.

A composição da atmosfera numa era glacial é conhecida com precisão a partir das bolhas de ar aprisionadas nos mantos de gelo da Antártida e Groenlândia e numerosas geleiras de montanha durante sua formação causada pela deposição anual de neve. Além disso, as distribuições geográficas dos mantos de gelo, cobertura vegetal e linhas costeiras durante a era glacial estão bem mapeadas. Por estes dados sabemos que a mudança na forçante climática entre a idade do gelo e hoje foi cerca de 6 W/m2. Esta forçante mantém uma mudança térmica global de 5oC, implicando uma sensibilidade climática de 0,75 +/- 0,25oC por watt por m2. Os modelos climáticos produzem sensibilidade similar. No entanto, os resultados empíricos são mais precisos porque incluem todos os processos operantes no mundo real, mesmo aqueles que ainda não somos capazes de inserir nos modelos.

Os paleodados provêm outro importante insight. As alterações de órbita da Terra instigam mudança climática, mas operam por meio da alteração das propriedades da atmosfera e da superfície, e conseqüentemente, do balanço energético planetário. Estas propriedades da atmosfera e superfície são agora mais influenciadas pelo homem que pelas variações orbitais do planeta.

A maior mudança das forçantes climáticas nos séculos recentes é causada por gases de efeito estufa produzidos pelo homem. Esses gases na atmosfera absorvem a radiação térmica em vez de deixá-la escapar para o espaço. Com efeito, tornam o proverbial cobertor mais grosso, devolvendo mais calor para o solo. Dessa forma, a Terra está irradiando menos calor para o espaço do que absorve do Sol. Este desequilíbrio energético planetário temporário está gradualmente aquecendo o planeta.

Em razão da grande capacidade dos oceanos de absorver calor, a Terra leva um século para alcançar novo equilíbrio – isto é, para voltar a receber do Sol a mesma quantidade de calor que irradia para o espaço. Naturalmente, o equilíbrio será restabelecido a um limiar mais alto de temperatura. Enquanto isso, antes de alcançá-lo, mais forçantes podem ser acrescentadas.

O mais importante gás de efeito estufa produzido pelo homem é o dióxido de carbono, proveniente principalmente da queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás). Entretanto, o efeito combinado dos outros gases antropogênicos é comparável. Estes outros gases, principalmente o ozônio troposférico e seus precursores incluindo metano são os ingredientes do smog (nevoeiro com fumaça), que causa danos à saúde humana e à produtividade agrícola.

Os aerossóis (partículas finas no ar) são a outra principal forçante humana do clima. Seu efeito é mais complexo. Alguns aerossóis “brancos”, tais como sulfatos provenientes do enxofre nos combustíveis fósseis, são altamente refletivos e portanto reduzem o aquecimento solar da Terra: porém, o negro de carbono (fuligem), um produto da combustão incompleta dos combustíveis fósseis, biocombustíveis e queima de biomassa a céu aberto, absorve a luz solar, aquecendo a atmosfera. Esta forçante climática direta pelos aerossóis tem pelo menos 50% de imprecisão, em parte porque as quantidades de aerossol não são bem medidas e em parte por causa de sua complexidade.

Os aerossóis também causam efeitos climáticos indiretos ao alterarem as propriedades das nuvens, tornando-as mais brilhantes e de mais longa duração. Com isso, a quantidade de luz solar absorvida pela Terra é reduzida, e assim o efeito indireto dos aerossóis é uma forçante negativa que causa resfriamento.

Outras forçantes climáticas produzidas pelo homem incluem a substituição das florestas pelas plantações. As florestas são escuras mesmo quando a neve cobre o solo, portanto sua remoção reduz o aquecimento solar.

Forçantes naturais tais como erupções vulcânicas e flutuações do brilho solar provavelmente têm pouca influência numa escala de tempo de mil anos. Mas a evidência de um pequeno aumento do brilho solar nos últimos 150 anos implica uma forçante climática de alguns décimos de watt por metro quadrado.

O valor agregado das forçantes acrescidas desde 1850 é de 1,6 +/- 1,0 W/m2. A despeito das grandes incertezas, existem evidências de que este valor estimado está aproximadamente correto. Entre elas, a concordância muito próxima encontrada entre a temperatura global durante as últimas décadas e os modelos climáticos governados por estas forçantes. Mais fundamentalmente, o ganho de calor do oceano global observado nos últimos 50 anos é consistente com a forçante climática total estimada.

Desequilíbrio Energético

A temperatura média de superfície global aumentou cerca de 0,75oC durante o período que conta com medidas instrumentais extensivas, a partir do final do século 19. A maior parte do aquecimento, cerca de 0,5oC, ocorreu após 1950. As causas do aquecimento observado podem ser melhor investigadas nos últimos 50 anos, já que a maioria das forçantes climáticas foi observada neste período, especialmente depois das medições por satélite do Sol, aerossóis estratosféricos e ozônio, começadas nos anos 70. Além disso, 70% do aumento antropogênico de gases estufa ocorreu após 1950.

A quantidade mais importante é o desequilíbrio energético planetário (ver box na pág. 75), consequência do tempo prolongado que o oceano leva para se aquecer. Concluímos que a Terra atualmente está fora do equilíbrio por um fator em torno de 0,5 a 1,0 W/m2 – que muito mais radiação solar está sendo absorvida pela Terra que sendo emitida como calor para o espaço. Portanto, mesmo que a composição atmosférica não mude, a superfície da Terra irá se aquecer, com o tempo, mais 0,4 a 0,7oC.

A maior parte do desequilíbrio energético tem sido de calor que entra no oceano. Sydney Levitus da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) analisou as mudanças de temperatura oceânica nos últimos 50 anos e descobriu que o contéudo de calor do oceano mundial aumentou cerca de 10 watts-ano por metro quadrado nestes 50 anos. Ele também determinou que a taxa de armazenagem de calor no oceano em anos recentes é consistente com nossa estimativa de que a Terra está presentemente fora do equilíbrio energético por 0,5 a 1 W/m2. Note que a quantidade de calor requerido para derreter suficiente gelo para elevar o nível do mar de um metro é cerca de 12 watts-ano (na média sobre o planeta todo), energia que poderia acumular-se em 12 anos se o planeta estiver fora do equilíbrio em 1 W/m2.

A concordância com as observações, tanto do modelo de mudança de temperatura como de armazenamento de calor pelo oceano, não deixa dúvida de que a mudança climática global observada está sendo impulsionada por forçantes naturais e antropogências. A taxa corrente de estocagem de calor oceânico é uma medida planetária crítica: ela não só determina a quantidade adicional de aquecimento global em andamento, como também equivale à redução de forçantes climáticas necessária para estabilizar o atual clima terrestre.

Impedindo o Desastre

O objetivo da convenção básica das Nações Unidas sobre a as Mudanças Climáticas, realizada no Rio de Janeiro em 1989, é estabilizar a composição atmosférica para “impedir interferência antropogênica perigosa no sistema climático” e alcançar tal objetivo sem causar ruptura da economia global. Definir o nível de aquecimento que constitui “interferência antropogênica perigosa” é portanto uma parte crítica, embora difícil, do problema.

A ONU estabeleceu um Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, na sigla em inglês) com responsabilidade pela análise do aquecimento global. O IPCC definiu cenários de forçante climática, utilizou-os para simulações do clima do século 21 e avaliou o impacto de mudanças de temperatura e precipitação sobre a agricultura, ecossistemas naturais, vida selvagem e outras áreas. O IPCC estima uma mudança do nível do mar de até várias dezenas de centímetros em 100 anos se o aquecimento global atingir vários graus Celsius. Este cálculo deve-se mais à expansão térmica da água oceânica, pouco mudando o volume do manto de gelo.

Estes efeitos climáticos moderados, mesmo com rápido aumento dos gases de efeito estufa, dão a impressão de que não estamos próximos da interferência antropogênica perigosa. Vou argumentar, porém, que estamos muito mais próximos que em geral se reconhece, e portanto a ênfase deve ser mitigar as mudanças, em vez de apenas adaptar-se a elas.

A questão dominante no aquecimento global, em minha opinião, é a mudança no nível do mar e a rapidez com que os mantos de gelo podem desintegrar-se. Grande parte da população mundial vive a poucos metros do nível do mar, com trilhões de dólares de infra-estrutura. A necessidade de preservar as linhas de costa globais estabelece um limite inferior para o aquecimento global que constituísse uma interferência antropogênica perigosa.

A história da Terra, combinada ao atual desequilíbrio energético-planetário produzido pelo homem, compõe um quadro perturbador a respeito das perspectivas para a mudança do nível do mar. Dados do registro de temperatura na Antártida mostram que o aquecimento nas últimas 5 décadas corresponde aproximadamente ao maior valor de temperatura global do presente período interglacial (o Holoceno). Há ainda aquecimento adicional a caminho, o suficiente para nos levar à metade do mais alto nível de temperatura global alcançado no precedente período interglacial (o Eemiano), que foi mais quente que o Holoceno, com nível do mar estimado em 5 a 6 metros mais alto. Um W/m2 adicional de forçante, acima do valor atual, fará a temperatura global alcançar aproximadamente o nível máximo do Eemiano.

A questão principal é: com que velocidade os mantos de gelo responderão ao aquecimento global? O IPCC calcula apenas uma ligeira mudança nos mantos de gelo em 100 anos; entretanto, os cálculos do IPCC incluem somente os efeitos graduais de mudanças na precipitação de neve, evaporação e fusão. No mundo real, a desintegração de mantos de gelo é governada por processos e feedbacks (realimentação) altamente não lineares. A taxa máxima de desglaciação que se seguiu à última era glacial foi de um valor constante de derretimento de mais de 14 mil km2 ao ano – cerca de um metro de elevação do nível do mar a cada 20 anos, e que foi mantido por vários séculos. O período de fusão mais rápida coincidiu, até onde se pode medir, com o de mais rápido aquecimento.

Dada a incomum taxa de aquecimento global que ocorre no presente em um planeta já quente, podemos esperar que áreas onde há derretimento no verão e chuva irão se expandir sobre maiores áreas da Groenlândia e nas margens da Antártida. A própria elevação do nível do mar tende a levantar as plataformas marinhas de gelo que escoram o gelo terrestre, soltando-as nos pontos em que se ancora. Ao partirem-se as plataformas de gelo, o gelo terrestre será acelerado na direção do oceano. Embora a formação de geleiras seja lenta, sua destruição pode ser espetacularmente rápida, uma vez que o manto de gelo começa a entrar em colapso.

O desequilíbrio energético planetário induzido pelo homem fornece um amplo suprimento de energia para o derretimento do gelo. Além disso, esta fonte de energia é suplementada pela crescente absorção da luz solar pelos mantos de gelo escurecidos por aerossóis fuliginosos e pelo processo de feedback quando a água de fusão escurece a superfície de gelo.

Estas considerações não significam que devemos esperar grande mudança no nível do mar nos próximos poucos anos. O precondicionamento dos mantos de gelo para ruptura acelerada pode exigir longo tempo, talvez muitos séculos. (O satélite ICESat recentemente lançado pela Nasa pode ser capaz de detectar os sinais iniciais de uma ruptura acelerada de manto de gelo.) No entanto, suspeito que uma elevação significativa do nível do mar poderia começar dentro de décadas, caso o desequilíbrio energético planetário continue a aumentar. Parece claro que além de um certo limite, o aquecimento global criará uma grande mudança do nível do mar para futuras gerações. E uma vez iniciada, será impraticável deter uma ruptura de manto glacial em larga escala. Diques podem proteger regiões limitadas, tais como Manhattan e a Holanda, mas a maioria das zonas costeiras globais será inundada.

Proponho que o nível de influência antropogênica perigosa possivelmente será estabelecido pelo desequilíbrio de temperatura e radiação globais no qual uma desglaciação substancial torna-se praticamente impossível de evitar. Com base na evidência paleoclimática, sugiro que o nível elevado mais prudente de aquecimento global adicional não seja maior do que 1oC, aproximadamente. Isto significa que a forçante climática adicional não deve exceder cerca de 1 W/m2.

Cenários de Forçante Climática

O IPCC define muitos cenários de forçante climática para o século 21 com base em múltiplas “linhas de história” para crescimento populacional, desenvolvimento econômico e recursos energéticos. Ele estima que a forçante climática adicional nos próximos 50 anos seja de 1 a 3 W/m2 para o dióxido de carbono e de 2 a 4 W/m2 com outros gases e aerossóis incluídos. Mesmo a mínima forçante adicional do IPCC causaria perigosa interferência antropogênica no sistema climático segundo nossos critérios.

Mas os cenários do IPCC podem ser excessivamente pessimistas. Em primeiro lugar, eles ignoram mudanças nas emissões, algumas já ocorrendo, por causa de considerações sobre o aquecimento global. Em segundo, supõem que a verdadeira poluição do ar continuará a piorar, com ozônio, metano e negro de carbono todos maiores em 2050 que em 2000. Por fim, o IPCC dá pouca importância a avanços tecnológicos capazes de reduzir as emissões nos próximos 50 anos

Um modo alternativo de definir cenários é examinar as atuais tendências dos agentes de mudança climática, indagar por que estão se alterando como observado, e tentar compreender se ações razoáveis encorajariam mudanças ulteriores nas taxas de crescimento.

A taxa de crescimento da forçante climática por gases estufa atingiu seu pico no início da década de 80, a quase 0,5 W/m2 por década mas declinou nos anos 90 para 0,3 W/m2 por década. A razão principal para o declínio foi a emissão reduzida de clorofluorcarbonetos, cuja produção foi interrompida por causa do seu efeito destrutivo sobre o ozônio estratosférico.

Os dois mais importantes gases estufa, estando os clorofluorcarbonetos em declínio, são dióxido de carbono e metano. A taxa de crescimento do dióxido de carbono aumentou depois da Segunda Guerra Mundial, estabilizou-se entre meados dos anos 70 a meados dos anos 90, e subiu moderadamente em anos recentes à atual taxa de cerca de duas partes por milhão por ano. A taxa de crescimento do metano declinou drasticamente nos últimos 20 anos, em pelo menos dois terços.

Estas taxas de crescimento estão relacionadas à taxa de uso global dos combustíveis fósseis. As emissões destes últimos aumentaram em mais de 4% ao ano desde o fim da Segunda Guerra Mundial até 1975 mas subseqüentemente em apenas cerca de 1% ao ano. A mudança no crescimento da taxa de combustíveis fósseis ocorreu após o embargo de petróleo e elevação dos preços dos anos 70, e a ênfase na eficiência energética que se seguiu. O crescimento do metano foi também afetado por outros fatores, incluindo mudanças na cultura do arroz e maiores esforços para registrar metano nos aterros sanitários e nas operações minerais.

Se as recentes taxas de crescimento destes gases estufa continuarem, a forçante climática adicionada nos próximos 50 anos seria cerca de 1,5 watt por metro quadrado. A isto é preciso agregar a mudança causada por outras forçantes, tais como ozônio atmosférico e aerossóis, que não são bem monitoradas globalmente. Ainda assim, sabe-se que estão aumentando em alguns países enquanto decrescem em outros. Seu efeito total deve ser pequeno, mas poderia acrescentar até 0,5 W/m2. Portanto, caso não haja desaceleração das taxas de emissão, a forçante climática produzida pelo homem poderia aumentar 2 W/m2 nos próximos 50 anos.

Esta taxa atual de crescimento das forçantes climáticas situa-se no limiar inferior do intervalo do IPCC de 2 a 4 W/m2. O cenário do IPCC de 4 W/m2 requer um crescimento exponencial de 4% ao ano das emissões de dióxido de carbono mantido por 50 anos e grande aumento da poluição do ar; o que é implausível.

De qualquer modo, o cenário “tendências atuais” é maior que o nível de 1 W/m2 que eu sugeri como nossa melhor estimativa presente para o nível de influência antropogênica perigosa. Isto levanta a questão se é viável um cenário com forçante climática ainda menor.

Um Futuro Mais Brilhante

Criei um cenário alternativo específico que mantém a forçante climática adicional nos próximos 50 anos em 1 W/m2. Ele tem duas componentes: primeiro, parar ou reverter o crescimento de poluentes do ar, especialmene fuligem, ozônio atmosférico e metano; segundo, manter as emissões médias de dióxido de carbono dos combustíveis fósseis nas próximas 5 décadas ao mesmo nível de hoje. As porções de dióxido de carbono e não dióxido de carbono (non-carbon dioxide portions) do cenário são igualmente importantes. Considero viáveis, além de proteger a saúde humana e aumentar a produtividade agrícola.

Ao considerarmos a poluição do ar, devemos enfatizar os constituintes que mais contribuem para o aquecimento global. O metano, por exemplo. Se as fontes humanas de metano forem reduzidas, seria possível diminuir a quantidade de metano atmosférico, criando com isso um resfriamento que compensaria parcialmente o aumento de dióxido de carbono. A redução da fuligem poderia ajudar a contrabalançar o efeito de aquecimento devido à redução dos aerossóis de sulfato. Os precursores do ozônio atmosférico, além do metano, especialmente óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, precisam ser reduzidos para diminuirmos o ozônio nas camadas inferiores, o principal componente do smog.

Ações necessárias para reduzir o metano, tais como seqüestro nos aterros sanitários e instalações de administração de refugos e durante a mineração de combustíveis fósseis, têm benefícios econômicos que parcialmente compensam os custos. Em alguns casos, o valor do metano como combustível paga integralmente o custo de seqüestro. Reduzindo a fuligem também teríamos benefícios econômicos, tanto pelo decréscimo das perdas de vida como em trabalho-anos (partículas minúsculas de fuligem levam compostos orgânicos tóxicos e metais para os pulmões) e aumento da produtividade agrícola em certas partes do mundo. As fontes primárias de fuligem são o diesel e biocombustíveis (madeira e esterco de vaca, por exemplo). Estas fontes precisam ser consideradas por razões de saúde. O diesel poderia ser queimado de forma mais limpa, com tecnologias melhoradas. Deve haver soluções ainda melhores, tais como combustível de hidrogênio, que eliminaria precursores de ozônio, bem como fuligem.

Eficiência melhorada de energia e uso incrementado de energias renováveis poderão estabilizar as emissões de dióxido de carbono a curto prazo. A redução a longo prazo é um desafio maior, visto que o uso de energia continuará a aumentar. É necessário progresso em toda a linha: melhoramentos continuados de eficiência, mais energia renovável, e novas tecnologias que quase não produzam dióxido de carbono ou que seqüestrem. Energia nuclear de nova geração, se o público a aceitar, poderia ser uma importante contribuição. Antes de 2050, podem surgir tecnologias que nem imaginamos.

Tendências globais observadas de dióxido de carbono e metano (ver box na pág. anterior) nos últimos anos mostram que o mundo real está ficando aquém de todos os cenários do IPCC. Falta provar se as menores taxas de crescimento observadas são fruto do acaso, e que logo voltarão às taxas do IPCC, ou uma diferença significativa. Em contraste, as projeções do meu cenário alternativo e as taxas observadas de crescimento estão em concordância. Isto não surpreende, porque o cenário foi definido considerando-se as observações. E nos três anos desde que o cenário alternativo foi definido, as observações indicaram a continuidade da tendência. Não estou sugerindo, porém, que o cenário alternativo possa ser alcançado sem esforços conjugados para reduzir forçantes climáticas antropogênicas.

Como posso ser otimista se o clima está mais próximo do que se pensava do nível de interferência antropogênica perigosa? Se compararmos a situação de hoje com a de 10 ou 15 anos atrás, notamos que os principais elementos requeridos para parar a mudança climática surgiram com inusitada rapidez. Entendo que não será fácil estabilizar as concentrações dos gases estufa, mas sou otimista porque espero que a evidência empírica de mudança climática e seus impactos continuará a acumular-se e isto influenciará o público, os grupos de interesse públicos, indústria e governos nos vários níveis. A questão é: iremos agir em tempo?

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