Mercado

O petróleo sai de cena

Presente cinza

Queima de gasolina e diesel eleva os índices de poluição nas grandes cidades, como ocorre em São Paulo

Sobre uma fila de caminhões e carros paira uma nuvem de fuligem e gases tóxicos que ameaça a saúde humana e a do planeta. Essa é uma cena comum nas metrópoles do Brasil e do mundo, produto de uma sociedade dependente dos combustíveis fósseis. Até aí, você já leu esse discurso diversas vezes. Porém, esse quadro funesto pode mudar com a utilização em larga escala do biodiesel. Guarde esse nome. Alcançado a partir de óleos vegetais e animais, esse combustível polui muito pouco e não emite enxofre, um dos ingredientes da chuva ácida. Ele é renovável, obtido a partir de matérias-primas oleaginosas como grãos, gorduras vegetais e até óleo de fritura usado. Pode ser utilizado como um aditivo do diesel de petróleo, sem grandes adaptações nos veículos, ou isoladamente – nesse caso, pede a substituição de algumas peças de borracha no motor.

Seu potencial levou o governo federal a lançar em 2002 o Probiodiesel – Programa Brasileiro de Desenvolvimento Tecnológico de Biodiesel. A gestão atual comprou a idéia e hoje esse projeto interministerial pretende usar o produto não apenas como uma maneira de reduzir índices elevados de poluição, mas para impulsionar planos de inclusão social. A contradição é que só estamos aproveitando agora uma tecnologia que existe no país desde a década de 1970. Na época foi concedida a primeira patente de biodiesel – hoje expirada – a um brasileiro, o cearense Expedito Parente, que desenvolveu a técnica. Mas quem comprou a idéia de fato foram os estrangeiros: os europeus aderiram ao biodiesel, assim como os americanos e os japoneses. Há no Brasil iniciativas isoladas, muitas em caráter experimental, como forma de recuperar o tempo perdido. Antes tarde do que nunca.

O biodiesel é conhecido desde 1895, quando o engenheiro francês Rudolf Diesel (1858-1913), o criador do motor com ignição a compressão que leva o seu nome, iniciou as pesquisas para utilização de subprodutos do petróleo como combustível para sua invenção. Em 1900, durante a Feira Mundial de Paris, ele utilizou óleo de amendoim para movimentar seu invento. O motor a diesel pode ser alimentado com óleos vegetais e ajudar o desenvolvimento dos países que o utilizam, disse na época o engenheiro.

Após um século de dominação mundial do petróleo, o biodiesel finalmente encontra um lugar sob os holofotes. Ele é uma mistura de ésteres, compostos orgânicos formados por um ácido e um álcool, obtido em um processo chamado de transesterificação (veja quadro ao lado). A lista de candidatos a matéria-prima é extensa, de canola e pequi a óleo de peixe e sebo bovino. Também é possível utilizar graxa de esgotos e da indústria, assim como óleo usado em frituras.

É o que tem sido pesquisado pelo Ladetel (Laboratório de Desenvolvimento de Tecnologias Limpas), do Departamento de Química da USP em Ribeirão Preto. Em uma parceria com a cadeia de fast food McDonald s, o óleo de fritura utilizado nas lanchonetes em todo o Estado de São Paulo é coletado e enviado para o laboratório, onde é transformado em biodiesel. A mesma equipe desenvolveu o primeiro biodiesel de origem 100% vegetal, ao usar álcool de cana no lugar de metanol, um derivado do petróleo, como reagente na queima do óleo vegetal. Esse óleo vegetal é retirado de sementes oleaginosas e, grosso modo, nenhuma é menos adequada do que outra. Nesse sentido, o Brasil tem uma vantagem competitiva em relação aos países europeus pois possui grandes áreas cultiváveis e espécies de plantas que variam conforme a região (leia quadro à esquerda).

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, o país necessita anualmente de 37,5 bilhões de litros de diesel para suprir o mercado interno. Aproximadamente 5,3 bilhões de litros são importados atualmente. Isso significa uma evasão de divisas na ordem de US$ 1,5 bilhão de dólares a cada ano, afirma o deputado Ariosto Holanda (PSDB-CE), relator do projeto Biodiesel e Inclusão Social no Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara. Por outro lado apenas um hectare de mamona produz, em um ano, uma tonelada das sementes que, depois de processadas, geram 450 litros de biodiesel. Segundo o deputado, metade do combustível consumido no país pode ser provido pelo cultivo dessa planta em pequenas unidades agrícolas familiares.

Natureza agradece

Porém, é principalmente a vantagem ambiental que tem feito os países europeus, mais comprometidos com a redução de gases-estufa na atmosfera, investirem pesado no biodiesel. Na Alemanha, mais de mil postos oferecem o biocombustível puro para que o motorista o misture na proporção que desejar. O governo francês o utiliza para abastecer a frota de ônibus que roda o país.

Isso porque a queima do biodiesel gera menos gases poluentes, sem perda de rendimento do motor. Foi constatada uma redução de 48% de monóxido de carbono em comparação com a emissão resultante da queima do diesel. O mesmo vale para o material particulado, a boa e velha fuligem – 26% a menos. A emissão de enxofre é nula.

Mesmo misturado no diesel tradicional em níveis reduzidos, as vantagens são significativas. Há a intenção de começar a distribuição no Brasil em proporção B5 [5% de biodiesel], explica o professor aposentado Expedito Parente, que coordena atualmente a TecBio, empresa especializada no setor. Essa já é uma quantidade que provocaria um impacto enorme, pois representaria 2 bilhões de litros a menos de diesel sendo queimado no Brasil todos os anos.

Já a diferença de emissão de dióxido de carbono (CO2), conhecido vilão do efeito estufa, não é tão clara. Entretanto, Parente defende que as plantações de matérias-primas desequilibram a balança a favor do biocombustível. A quantidade de biodiesel produzida em um hectare de mamona emite uma tonelada de CO2, enquanto esta plantação absorve até oito toneladas da atmosfera, diz.

Essas vantagens, segundo ele, deveriam levar o biodiesel ao patamar de prioridade nas políticas públicas. Porém, é preciso estabelecer uma logística de distribuição eficaz para atender à demanda, que contemple o grande e o pequeno produtor – o qual utiliza unidades seriadas locais. O biodiesel ainda é mais caro que o diesel do petróleo: custa cerca de quatro vezes mais . Para virar o jogo e manter o foco na inclusão social, como defende o deputado Holanda, é preciso criar uma reserva de mercado que contemple as regiões pobres e desenvolver financiamentos específicos para essa fatia do setor produtivo. Uma tarefa árdua, uma vez que grandes corporações avançam sobre o cultivo das oleaginosas. Nesse sentido, o Probiodiesel pode acabar seguindo os passos do Proálcool, que estimulou o cultivo em larga escala do setor açucareiro.