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Açúcar permite ‘criar’ novos produtos

Pesquisadores do Departamento de Química do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Rio Preto, desenvolveram uma técnica que permite transformar a sacarose (nome técnico do açúcar de cozinha) em alimentos, xampus, medicamentos, detergentes, bactericidas e pesticidas. Os novos produtos, voltados às indústrias de alimentos, famacêuticas e químicas, têm o diferencial, entre outras qualidades, de menos efeitos colaterais em determinados medicamentos e diminuição no tempo de cicatrização de feridas; além de proporcionar menor impacto ambiental no caso de lançamento na rede de esgotos, como é o caso de xampus e detergentes. De acordo com o professor Maurício Boscolo, que há dois anos coordena a equipe que desenvolve a pesquisa, os sucroésteres (uma classe de compostos químicos) podem ser aplicados na correção de densidade em diversos tipos de bebidas, na prevenção de separação das fases em alimentos compostos de misturas água e óleo como margarina, manteiga e chocolate.

Além disso, pode haver o aumento de volume e melhoria da textura de pães, bolos e similares, aumento do tempo de prateleira de frutas, controle bacteriológico e fungístico, pesticidas ecológicos, xampus e cosméticos. Boscolo disse que vários produtos podem ser obtidos a partir da sacarose, entre eles os ésteres ou sucroésteres (uma classe de compostos químicos) que, em geral são compostos anfifílicos (que podem ser dissolvidos tanto em água como em óleo), atóxicos, compatíveis com a pele e digestíveis e podem ser produzidos a partir de óleos vegetais ou gordura animal. Outra característica importante dos sucroésteres é o alto grau de biodegradabilidade destes compostos o que os tornam produtos de baixo impacto ambiental, segundo o pesquisador.

Boscolo também usa polímeros (plásticos) ou sucrogéis (plásticos biodegradáveis). Além de biodegradáveis, os sucrogéis podem ser aplicados em suturas cirúrgicas biodegradáveis e como reguladores de medicamentos para aplicação subcutânea pois, além da biocompatibilidade com o organismo, apresentam alta capacidade de carregamento de drogas. De acordo com Boscolo, a introdução da sacarose na estrutura química de plásticos tradicionais como acrílicos, nylon, polietileno, poliuretanas, entre outros, pode favorecer o surgimento de novas aplicações destes materiais, além de se tornarem parcialmente biodegradáveis.

A sucroquímica (química do açúcar), afirmou, é ainda um campo muito extenso a ser percorrido e a síntese de novos compostos a base de sacarose não é o único desafio a ser vencido, mas também o desenvolvimento de novas aplicações que despertem efetivo interesse econômico para os produtos já conhecidos. “A sacarose tem se demonstrado uma matéria-prima versátil, de crescente interesse tecnológico e muitos outros exemplos de seus derivados e aplicações podem ser listados. Entretanto, o interesse dos produtores brasileiros não condiz com a importância do açúcar na econômica nacional”, afirmou. Segundo ele, a reversão deste quadro pode ser um caminho para a geração de uma promissora atividade agroindustrial. Atualmente, novos sucroésteres estão em fase de patenteamento, pois estão sendo constatados como excelentes pesticidas.

Abundante e barata

Boscolo conta que seus estudos surgiram a partir de fatos. “No Brasil, a cana-de-açúcar é, sem dúvida, uma das culturas agrícolas mais importantes”, afirmou. Para demonstrar esta importância, ele cita que as safras anuais rendem mais de 16 milhões de toneladas em sacarose. O professor acredita que, embora essa produção necessite de grandes investimentos em plantas industriais para atingir o volume de produção compatível com a escala de mercado, o preço do produto refinado é relativamente baixo em função da ampla oferta existente e do pouco valor agregado, ao contrário dos seus derivados químicos. Menos de 1% da produção de sacarose refinada produzida é destinada a finalidades não-alimentícias e um indicador do potencial tecnológico da sacarose como substrato é o elevado número de patentes de aplicações somente para seus ésteres (sucroésteres). “Esses foram alguns dos motivos que me fizeram partir para esse tipo de pesquisa”, afirmou.

Ele diz ainda que, como a sacarose é uma matéria-prima de fonte renovável e de baixo custo, desperta um crescente interesse como reagente na síntese de detergentes biodegradável. A sacarose também reage bem na síntese de plásticos, adoçantes e emulsificantes, entre outros, e tudo isso dá origem ao segmento da sucroquímica (química do açúcar). “Com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), coordeno um grupo de pesquisa na Unesp de Rio Preto focado na síntese e aplicações de novos produtos derivados de sacarose”, afirmou.