Enquanto os produtores de grãos se debatem em uma crise de renda aprofundada pelo câmbio e em algumas regiões do Rio Grande do Sul aumenta a aposta em cana e fruticultura, a pecuária começa a exibir sinais de novo fôlego no Estado. A recuperação de áreas de pastagem transferidas para a soja nos últimos anos, os anúncios de instalação e expansão de frigoríficos como Frigoclass e Mercosul e as alianças entre criadores e agricultores mostram que o gado voltou a ser visto como um bom negócio pelos gaúchos.
“Apesar da política macroeconômica que prejudica o setor primário, estamos entrando em um novo ciclo de alta”, acredita Paulo Ricardo Dias, co-presidente da comissão de pecuária de corte da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) e presidente do Sindicato Rural de Bagé. Segundo ele, há uma tendência de elevação do consumo interno e das exportações de carne, embora o segmento critique a falta de medidas de apoio do governo federal – como a negociação de cotas de exportação para a União Européia, onde o produto brasileira paga alíquota média de 138%.
Os pecuaristas confiam em uma recuperação nos preços do boi vivo, hoje em torno de R$ 1,63 o quilo na média estadual, para pelo menos R$ 2 no fim deste ano. Conforme Antônio Carlos Miranda, assistente técnico regional de pecuária da Emater-RS, as cotações atuais são as mais baixas dos últimos seis anos. A média, corrigida pelo IGP-DI, ficou em R$ 2,02 entre 2000 a 2004, caiu a R$ 1,71 em 2004/05 e, para os criadores, hoje chegou ao “fundo do poço”.
Esta curva descendente, associada à forte alta da soja, que chegou a R$ 50 a saca na safra 2002/03, “roubou” pelo menos 300 mil hectares de pastagens na metade sul do Estado, que concentra 75% do rebanho gaúcho, segundo Miranda. Mas com o recuo dos preços da soja e as melhores perspectivas para o gado, pelo menos metade desta área já voltou para a pecuária, estima o agrônomo.
“Em São Gabriel a soja passou de 15 mil hectares em 2000 para 68 mil em 2006, mas agora deve cair de 10% a 15% por ano daqui para frente”, acredita Tarso Teixeira, presidente do sindicato rural local. No mesmo período, a área de pastagens recuou de 400 mil para 350 mil hectares e o rebanho, de 700 mil para 500 mil cabeças, conforme o pecuarista. Na região de Bagé, tradicionalmente dedicada à pecuária e à produção de arroz, 13 mil hectares antes destinados à criação de gado migraram para a soja entre 2002 e 2003, mas cerca de 90% da área já foi recuperada.
Em todo o Rio Grande do Sul, o plantel bovino chegou a crescer 7,8% de 2000 a 2004, para 14,6 milhões de reses, segundo os dados mais recentes do IBGE. Mas ainda assim o ritmo foi bem inferior ao índice nacional de 20,4% de expansão no período, para 204,5 milhões de animais. E, conforme a Secretaria da Agricultura do Estado, houve uma queda para 13,9 milhões de animais em 2005.
A relativa estagnação do rebanho gaúcho, mais o elevado percentual de fêmeas abatidas no ano passado no Estado (42% de 1,955 milhão de cabeças, segundo o IBGE) e o comprometimento dos índices de natalidade em função das duas últimas secas provocaram uma tendência de redução de oferta e, conseqüentemente, de valorização dos terneiros. Este, segundo os ruralistas, é um dos indicativos da alta futura da carne bovina, já que nos remates recentes os animais de até um ano de idade têm alcançado até R$ 2,10 o quilo vivo, bem acima do boi gordo.
O ressurgimento da febre aftosa no Mato Grosso do Sul e no Paraná em 2005 também teve efeitos positivos para os gaúchos. Embora a doença tenha gerado uma oferta maior no mercado sul-matogrossense de carne, que está com as exportações bloqueadas, o presidente do Sindicato das Indústrias de Carne do Rio Grande do Sul (Sicadergs), Zilmar Moussalle, lembra que o Estado foi o único autorizado, em abril, a retomar as exportações para a Rússia, suspensas em outubro.
“Isso indica um crescimento das vendas externas neste ano”, acredita o executivo, que espera a breve reabertura do mercado chileno e calcula uma alta dos embarques próxima a 15%, para 140 mil toneladas. Os preços no exterior, alvo de discussões entre frigoríficos e pecuaristas sobre quem fica com as melhores margens no negócio, porém, recuaram de US$ 1.388 em 2004 para US$ 1.369 em 2005. Conforme Moussalle, a queda ocorreu porque a Rússia adquire produtos menos nobres do que a União Européia, e assim puxa as médias para baixo – embora os europeus absorvam 38% das exportações brasileiras de carne.
O executivo do Sicadergs calcula que o Rio Grande do Sul tem capacidade instalada de abate de 3,5 milhões de cabeças por ano (cerca de 13,2 mil/dia), mas a ociosidade aparentemente não assusta os frigoríficos. No início deste mês o Frigoclass, que opera em Promissão (SP), anunciou que construirá uma fábrica de carne pré-cozida em São Gabriel, onde também poderá instalar um abatedouro com capacidade para 1 mil animais por dia se a Europa mantiver o Estado fora do embargo decretado depois dos casos de aftosa. O Friboi, de São Paulo, também estuda instalar uma planta em São Borja.
Livre de dívidas fiscais e financeiras e com seis plantas no Rio Grande do Sul, uma no Paraná e uma no Mato Grosso do Sul, o frigorífico Mercosul, de Bagé, o maior do Estado, acabou de vender 30% do capital para o fundo AIG Capital Investments do Brasil. O valor da operação – US$ 21,5 milhões – ajudará a financiar a expansão dos negócios e o crescimento de 45% na receita deste ano, estimada em R$ 850 milhões. Segundo o presidente da empresa, Mauro Pilz, o negócio é uma sinalização “positiva” para todo o setor.
“Nossa capacidade instalada é maior que a oferta e poderíamos exportar pelo menos mais 3 mil toneladas por mês, mas esta demanda será suprida no futuro”, diz Pilz. Hoje o Mercosul abate 2,8 mil cabeças por dia (o que rende 650 toneladas de carne) no Rio Grande do Sul e 3,2 mil no Brasil, para uma capacidade de 3,4 mil e 4 mil animais por dia, respectivamente. Da produção total, mais de 60% são exportados, em especial para União Européia e Rússia.
O Mercosul também faz parte de uma aliança entre pecuaristas do sul do Estado que engordam o gado em propriedades de agricultores de Júlio de Castilhos, na metade norte, articulada em parceria com Farsul, Sebrae-RS e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Os animais permanecem durante 100 dias em pastagens cultivadas de inverno, até o início da semeadura da soja, e são entregues ao frigorífico de agosto a outubro com os preços já acertados em abril e maio, explica o presidente do sindicato rural de Júlio de Castilhos, Sílvio Menegassi.
Em 2005 foram negociados 4 mil animais – todos criados dentro do programa de rastreabilidade – de 18 produtores e neste ano o número deve aumentar para até 7 mil bovinos de 60 criadores, incluindo municípios como Livramento, Bagé e Minas do Leão, prevê Menegassi. “Queremos manter regularidade de entrega e de preços”, afirma o pecuarista. Segundo ele, o Mercosul paga R$ 3,40 o quilo da carcaça de primeira qualidade (que representa cerca de R$ 1,70 por quilo vivo) e para este ano as negociações estão em R$ 3,60 para entrega em agosto e R$ 3,50 para setembro em diante.
Conforme o gerente de extensão rural do frigorífico, Gustavo Moglia, os pecuaristas que integram a aliança estão entre os 1,7 mil fornecedores “fidelizados” que respondem por 80% do abastecimento do Mercosul e recebem bônus de 1% a 4% pelo cumprimento das planilhas trimestrais de entregas, além de outros benefícios pela qualidade da carne. A empresa também concede financiamentos equivalentes a até 20% do valor faturado pelos produtores, no ano anterior, para investimentos em terneiros, alimentação, rastreabilidade, adubos e sementes. O pagamento é feito em produto, com prazo de até 180 dias e juro de 10% no período.
Na porção nordeste do Estado, outra aliança, também apoiada pelo Sebrae-RS, Senar e Farsul, está unindo agricultores e pecuaristas da própria região para engordar terneiros em pastagens cultivadas de inverno, com venda direta ao varejo. Neste caso, os frigoríficos locais são prestadores de serviços e os produtores controlam o ciclo completo do negócio, relata o co-presidente da comissão de pecuária de corte da Farsul e presidente do sindicato rural de Ipê, Carlos Simm.
De acordo com ele, cinco cabanhas da raça angus e três terminadores (que somente engordam os animais) participam do grupo, que já negociou o fornecimento de carne para três redes de varejo, incluindo a Associação de Minimercados de Porto Alegre. Neste ano serão comercializadas cerca de 1,6 mil cabeças e para 2007, com o ingresso previsto de mais dois terminadores, a estimativa é que as vendas cheguem a 2,5 mil animais, revela Simm.