Desde a época dos primeiros engenhos, um embate se repete a cada safra no Estado. De um lado estão os produtores de açúcar e do outro os canavieiros. Em xeque, a discussão sobre o preço justo a ser negociado pela matéria-prima, que há séculos domina a economia de Alagoas: a cana-de-açúcar. Vem de São Paulo a metodologia do Consecana – fórmula que calcula o preço da gramínea não pelo seu peso em toneladas, mas pelo teor de açúcar contido nela – mas nem lá se vê consenso na atualidade. A safra no Centro Sul está chegando ao fim, contudo fornecedores de cana e empresários da agroindústria não se entendem quanto ao percentual de aumento para a cana. O impasse persiste e esta semana, o ministro da Agricultura Roberto Rodrigues voltou a afirmar que o governo federal pode intervir na questão para resolver a polêmica, estabelecendo nova controvérsia: a intervenção oficial é a melhor saída ou devem prevalecer as regras do livre mercado? Nas páginas a seguir, leia a opinião dos representantes do setor alagoano.
Quebra de safra vai elevar preço da cana alagoana
Quem compra quer o menor preço, mas quem vende quer o preço mais alto. E não tem jeito, em toda boa negociação ambas as partes têm de ceder.
Embora em São Paulo e em Alagoas fornecedores de cana-de-açúcar e empresários da agroindústria entrem em conflito por causa do preço da cana-de-açúcar, a discussão ganha contornos diferentes em cada região.
No Sudeste, tanto a Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro Sul do Brasil (Orplana) e a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo concordam que é necessário fazer mudanças na base do sofisticado cálculo do Consecana. Entretanto, a discordância atual está centrada na escolha da metodologia que estabelece o percentual de aumento no preço final da matéria-prima. Os fornecedores chegaram ao resultado de 11%, enquanto os industriais a 6%.
Alagoas
“Uma comissão de arbitragem deve tomar parte da discussão para apontar o método mais adequado, mas, vale ressaltar que o parecer não é obrigatório. A busca pelo entendimento vai prevalecer até o último momento. Por isso, a Orplana já está quase encerrando a questão em 8% de reajuste”, explica Pedro Robério Nogueira, presidente do Sindicato dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de Alagoas (Sindaçúcar-AL).
“Em Alagoas, a polêmica é outra”, diz Nogueira. Segundo o executivo, no Estado o Consecana não está exatamente em xeque. O que está sendo debatido por aqui são as perdas dos produtores de cana, que afirmam que os valores do Açúcar Total Recuperado (ATR), que estabelece o preço mínimo negociado pela cana, não está remunerando os custos embutidos na produção. De acordo com os fornecedores, o custo médio de produção é da ordem de R$ 45 por tonelada e o valor médio da ATR está em R$ 33.
“Não duvidamos que os fornecedores tenham, de fato, perdas. Pelas dificuldades que temos enfrentado na área agrícola temos certeza de que essas perdas são verdadeiras. Por outro lado, não achamos que os industriais devem pagar essa conta, afinal os empresários da agroindústria também são atingidos pelas mesmas perdas”, afirma o presidente do Sindaçúcar. Na sua opinião, quem deveria arcar com o ônus nos custos de produção dos produtores nordestinos é o governo federal, com o programa de equalização dos custos da cana-de-açúcar, que há duas safras está suspenso.
Nesta safra, Alagoas vai produzir cerca de 3 milhões de toneladas a menos do que no ciclo anterior. Dessa forma, a cana-de-açúcar vai ser disputada a tapas no Estado. Por isso, acredito que o Consecana vai ser encarado como uma mera referência. Pois os fornecedores com certeza poderão negociar a matéria-prima por um preço mais alto”, diz. PM
Intervenção oficial: fornecedor é a favor
Se de um lado a livre negociação permite que o fornecedor de cana-de-açúcar negocie para cima o valor de sua produção no momento de escassez do produto, do outro pode submetê-lo a negociações mais duras em circunstâncias menos favoráveis. Este é o principal argumento dos plantadores de cana de Alagoas.
Segundo Edgar Antunes, presidente da Associação dos Plantadores de Cana de Alagoas (Asplana), há áreas do Estado, sobretudo na região Norte, onde o número de usinas e destilarias é reduzido e o fornecedor fica mais à mercê dos valores estabelecidos pelos empresários do segmento industrial.
“Realmente, na região Sul muito plantadores de cana conseguem comercializar a matéria-prima por preços acima do mercado. Mas quem está em outras localidades normalmente só consegue mesmo o valor da ATR que gira em torno de R$ 33”, afirma Antunes. “Nesse caso, o produtor nem consegue cobrir seus custos de produção”.
Para o presidente da Asplana, os preços da cana deveriam remunerar os fornecedores. “Não podemos mais contar com os recursos da equalização e os valores do ATR não arcam com as nossas despesas. Assim, nos vemos em um beco sem saída”, diz.
Na opinião de Edgar Antunes, o poder público deveria, sim, intervir para pôr fim ao impasse existente entre fornecedores de cana e empresários da agroindústria canavieira. “Não vejo como chegarmos a um entendimento. Acho que o governo deveria participar do processo de discussão, nem que fosse exercendo o papel de mediador”, sugere.
Antunes cita que em Pernambuco o governador Jarbas Vasconcelos está intercedendo nas negociações e lá fornecedores e industriais têm avançado rumo ao consenso.
Discordância
Sobre a intervenção do governo desponta outra divergência no setor sucroalcooleiro. No lado dos empresários da agroindústria a opção pelo livre mercado é a que parece ser a mais sensata. “Acreditamos que a livre negociação está mais afinada com a realidade do setor nos dias atuais”, diz Pedro Robério Nogueira, presidente do Sindaçúcar. Para ele, no tempo em que o Instituto do Açúcar e do Álcool regulamentava o setor, estabelecendo preços e cotas de produção fazia sentido uma intervenção oficial. “Claro, somos favoráveis a algumas regras e é para isso que existe o Consecana, para fazer com que os fornecedores possam alcançar preços mais justos por sua produção. Na minha opinião, o Consecana deveria ser revisto a cada safra, para que constantes adequações trouxessem o aprimoramento do cálculo do preço da cana. O ideal mesmo é que fosse feito o cálculo considerando a realidade de cada região do Estado e até de cada usina ou destilaria”, reflete Nogueira.
Segundo o presidente do Sindaçúcar, os próprios produtores não parecem muito interessados em aprofundar o debate sobre mudanças no Consecana, até porque alguns conseguem comercializar a matéria-prima por um valor acima da média do ATR. “Esse desinteresse se reflete até nos encontros que propomos com os representantes da Asplana sobre as mudanças na metodologia do cálculo do Consecana. Eles nem comparecem”, afirma.
“Tudo o que posso dizer é que o Pedro Robério também não vai às reuniões”, diz Edgar Antunes da Asplana. Segundo ele, os embates técnicos sobre a discussão são intermediados por especialistas tanto da Asplana quanto do Sindaçúcar.
“A insatisfação dos fornecedores é antiga, desde o fim da regulamentação do setor. Adotamos o Consecana, mas isso nunca pôs fim às nossas divergências. Os industriais não querem estabelecer um preço mínimo pela nossa produção porque argumentam que não encontram as mesmas garantias no mercado internacional. Não vejo saída”, afirma Antunes. PM
Trabalhadores negociam aumento com industriais
O acerto de contas com os fornecedores de cana-de-açúcar não é o único que precisa ser negociado pelos empresários da agroindústria canavieira a cada safra. Paralelamente, o setor sucroalcooleiro também tem de apreciar as reivindicações de sua mão-de-obra a cada novo ciclo produtivo.
Após um mês de conversa, o Sindicato dos Produtores do Açúcar e do Álcool de Alagoas estabeleceu o novo reajuste dos trabalhadores da área industrial das usinas e destilarias. Pelo acordo estabelecido, a categoria vai ter aumento de 7,2% em relação ao ano passado. Ou seja, 2% de aumento real, considerando a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (INPC) que acumulou 5% de inflação em 12 meses.
Ao ser perguntado se o reajuste abre um precedente para os trabalhadores rurais, que enviaram pauta de negociação salarial para ser negociada na próxima semana, Pedro Robério Nogueira acenou positivamente. “Todo ano as negociações com os trabalhadores da indústria surtem influência nas negociações com os trabalhadores rurais. Uma categoria não fica em desvantagem em relação à outra”, afirma Nogueira. Segundo ele, até o acerto de contas firmado em Pernambuco, que sempre tem início com um mês de antecedência em relação a Alagoas, influencia do lado cá.
Contudo, os trabalhadores esperam um pouco mais das negociações. “Corrigir as perdas da inflação é pouco. Queremos um aumento maior para os trabalhadores rurais”, diz Antônio Torres, que faz parte da comissão negociadora da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado de Alagoas (Fetag). Os trabalhadores agrícolas querem 32% de reajuste.
“O lucro do empregador é alto. Só no ano passado o setor sucroalcooleiro faturou cerca de R$ 2 bilhões. O que queremos é que o trabalhador tenha um pouco mais de participação nesse desempenho positivo do setor”, afirma o sindicalista.
Segundo ele, a reunião entre trabalhadores e empresários ficou marcada para terça-feira desta semana, entretanto, ainda não houve confirmação do encontro para viabilizar a negociação.