O Ministério Público Federal flagrou bóias-frias aliciados com promessas falsas trabalhando em um canavial de Guariba, na região de Ribeirão Preto, em blitz na manhã de ontem. É o segundo indício de aliciamento encontrado na região, em ação desencadeada após dez mortes de bóias-frias registradas desde o ano passado supostamente por excesso de trabalho nas lavouras.
As mortes tiveram características semelhantes. Em apenas um caso a causa foi um acidente vascular cerebral, segundo relato da Pastoral do Migrante de Guariba. Nos outros nove casos, a causa foi parada cardiorrespiratória.
Quatro bóias-frias da usina Bonfim disseram à equipe formada pelo MPF, Ministério Público do Trabalho e um representante da ONU (Organização das Nações Unidas) terem sido contratados por um funcionário da usina para trabalhar na cidade, mas os benefícios prometidos não teriam sido cumpridos. Segundo eles, cada integrante do grupo ainda deve R$ 65 do transporte do Vale do Jequitinhonha à região. A usina nega ter trabalhadores terceirizados (leia texto nesta página) e disse que vai investigar o caso.
Por causa dos indícios encontrados, a força-tarefa decidiu estudar a possibilidade de pedir a desapropriação das terras em que forem constatadas as irregularidades. A avaliação é que, se o direito do trabalhador e o ambiente estão sendo desrespeitados, o fim social da terra está sendo violado.
O MPF já abriu investigação para apurar outro caso, de nove bóias-frias do Maranhão que deixaram o Estado de origem para trabalhar nos canaviais de Guariba com promessas de salários e trabalho não cumprida.
O procurador da República Sérgio Suiama afirmou à Folha que uma empresa de ônibus de São Paulo que efetuou o transporte dos bóias-frias de Esperantinópolis também está sendo investigada, após denúncia feita pelo Sindicato dos Empregados Rurais de Guariba.
“Eles estavam aqui sem serviço, passando fome. Prometeram tudo [o aliciador] e não cumpriram nada”, disse o presidente do sindicato, Wilson Rodrigues da Silva, que prestará depoimento hoje à Polícia Federal.
O procurador Aparício Querino Salomão, que participou da blitz, afirmou que o caso também será encaminhado ao Ministério Público do Trabalho, que já abriu 30 procedimentos para cada uma das usinas de cana-de-açúcar que atuam na região de Ribeirão, para pôr fim à terceirização dos bóias-frias. “Resolvendo a terceirização, acaba uma série de problemas”, disse Salomão. Além da usina Bonfim, a equipe também visitou a Santa Adélia.
Além do aliciamento, outros problemas foram apontados pelo grupo que participou da ação. Entre eles, o fato de os bóias-frias trabalharem cinco dias para um de descanso e a falta de fiscalização. “Oito pedidos de fiscalização foram feitos pelo sindicato de Guariba, mas nenhum foi cumprido até agora”, disse Suiama.
“É uma situação que tira o direito dos trabalhadores de viver com a família”, afirmou o médico Flávio Luiz Schieck Valente, relator nacional para os Direitos Humanos à Alimentação Adequada, Água e Terra Rural, da Dhesc Brasil, entidade que participa do programa da ONU.
O objetivo da missão nos canaviais da região de Ribeirão foi fazer um levantamento preliminar da situação vivida pelos bóias-frias no dia-a-dia. Até o final do mês outra blitz deve ser feita.
Audiência
Além da ação do grupo, houve uma audiência pública ontem em Ribeirão Preto, na qual sindicatos de trabalhadores relataram fatos como a obrigatoriedade de que cada bóia-fria corte dez toneladas de cana diariamente, sob o risco de não receberem cestas básicas. Em média, a tonelada de cana queimada cortada rende R$ 2,50 aos trabalhadores.