Mercado

Cafta prenuncia dificuldades para a Alca

Acompanhado de perto pelo Brasil e sob forte resistência do lobby agrícola americano, o Cafta (Acordo de Livre Comércio da América Central e República Dominicana) completou ontem um ano de sua assinatura sem que o presidente George W. Bush tenha conseguido sua ratificação no Congresso americano.

Chamado muitas vezes de “pré-Alca”, o acordo, parado sobretudo pela oposição da indústria do açúcar dos EUA, tem sido visto como teste à disposição americana de abrir mais o mercado a produtos agrícolas brasileiros.

Os sinais, no entanto, são desalentadores. Se um acordo que envolve apenas seis países pobres (Costa Rica, El Salvador, Nicarágua, Honduras, Guatemala e República Dominicana) e um produto está emperrado há um ano, a Alca, que abrange 34 países e dezenas de produtos agrícolas, soa praticamente inviável.

“O preocupante é que o Cafta enfrenta toda essa resistência por causa de 100 mil toneladas de açúcar -e o Brasil exporta por ano 15 milhões de toneladas de açúcar por ano. Temos ainda vários outros produtos, como o tabaco, o etanol, a laranja e as carnes. Cada um deles por si só será o suficiente para acender várias luzes no Congresso numa eventual discussão sobre a Alca”, disse à Folha um especialista nas relações comerciais Brasil-EUA, sob a condição de anonimato.

Segundo ele, “a falta de avanços no Cafta é desanimadora para os interesses comerciais brasileiros na área agrícola”.

No Congresso, a discussão do Cafta tem sido feita com um olho no Brasil e na Alca. Existe o temor de que, se aprovado, o acordo na forma atual servirá de precedente para futuras negociações envolvendo produtos brasileiros.

“O que vocês vão fazer com o Brasil?”, perguntou o senador republicano Craig Thomas ao representante interino do USTr (espécie de Ministério de Comércio Exterior americano), Peter Allgeier, durante uma sessão do Comitê de Finanças do Senado sobre o Cafta, em 13 de abril.

A resposta do governo Bush, de que o acordo prevê cotas ao açúcar com um teto de 100 mil toneladas e que a importação do produto do Cafta só chegará a apenas 1,7% do consumo americano, até agora foi insuficiente para convencer os parlamentares.

Para melhorar as negociações no Congresso, Bush nomeou para o USTr o congressista republicado Rob Portman no lugar do diplomata Robert Zoellick.

A escolha de um deputado reconhecido pelo trânsito nos dois partidos demonstra a preocupação de Bush com a resistência interna ao livre comércio.

No seu discurso na posse de Portman, em 17 de maio, Bush disse que o Cafta é a prioridade do comércio externo americano, ao lado da conclusão das negociações da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio.

O impasse no Cafta impressiona também porque as duas principais organizações agrícolas se dividiram sobre o tema.

O National Farmers Union (NFU, Sindicato Nacional dos Fazendeiros), principal organização de lobby agrícola contrária ao livre comércio, afirma que se opõe ao Cafta e também à Alca por “motivos similares”, entre os quais está a necessidade de inclusão de regulamentações trabalhistas e ambientais.

“Não estamos atacando especificamente o Brasil. Sabemos que vocês têm bons padrões, embora não sejam do mesmo nível que temos com relação a trabalho e a direitos humanos. Não somos contra o comércio, mas a dificuldade é como conseguir regras igualitárias”, disse Tom Buois, vice-presidente para relações com o governo, em entrevista concedida na sede da NFU, localizada diante do Congresso.

Em associação com o lobby do açúcar, a NFU conseguiu uma forte coalizão de parlamentares democratas e senadores, obstruindo a votação. Parte desse apoio é fruto de financiamento de campanha: durante as eleições de 2004, apenas dois fabricantes de açúcar da Flórida doaram US$ 925 mil para campanhas no Estado, valor considerado alto mesmo para os padrões dos EUA.

Democratas e republicanos

A grande maioria dos democratas se opõe porque consideram os artigos sobre direitos trabalhista e ambiente fracos demais. Já os republicanos que se opõem alegam que o Cafta prejudicaria a indústria do açúcar e dos têxteis.

O NFU tem dado especial atenção ao Brasil. Recentemente, a organização enviou missão ao país para “discutir os desafios colocados pela agricultura brasileira”. No resumo da viagem, a agricultura brasileira é vista como competitiva, mas concentrada em grandes produtores e empresas. Já as estradas foram descritas como “simplesmente horríveis”.

A American Farm Bureau (FB, Organização do Fazendeiro Americano), que disputa com a NFU a liderança no lobby agrícola, é favorável ao Cafta.

“Apoiamos entusiasticamente o acordo, será definitivamente favorável à nossa agricultura”, disse à Folha o presidente Bob Stallman. Os EUA se beneficiarão com a abertura do mercado, diz.

Em outubro, Stallman também fez um tour pelo Brasil, em viagem que incluiu uma visita à fazenda do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, no interior de São Paulo. “Concordamos que somos competidores, mas também que precisamos de cooperação internacional.”