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Estrangeiros nos trilhos

Escolhida pelo governo como um dos carros-chefe das Parcerias Público-Privadas (PPPs), a construção da Ferrovia Norte-Sul está atraindo o interesse de japoneses, chineses, americanos e alemães. Os investidores se mostram interessados tanto na construção do novo trecho, pelo sistema de PPPs, como na exploração dos serviços, que será feita por meio de concessões em um modelo inédito no Brasil, inspirado na experiência européia, de múltiplos operadores.

O modelo nunca foi utilizado em outra ferrovia no país e deve estimular a concorrência e a redução das tarifas — explica o economista Antonio José Alves Jr., chefe da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento.

Na Europa, a diferença nos preços dos fretes nas ferrovias pode chegar a 60% em relação ao frete rodoviário, se consideradas longas distâncias. No Brasil, a diferença é de apenas 10%. No modelo atual, o concessionário tem o monopólio da exploração dos serviços e a expansão da malha é de responsabilidade da União. Já na Ferrovia Norte-Sul, a exploração dos serviços poderá ser feita por mais de um concessionário e a construção de trechos da malha, em parcerias com o setor privado.

Obra vai facilitar escoamento da soja

O governo escolheu essa obra como uma das primeiras a serem financiadas pelas PPPs após concluir que ela é fundamental para o escoamento da safra agrícola e para o desenvolvimento econômico. A Norte-Sul vai facilitar a saída das exportações pelo porto de Itaqui, no Maranhão. Segundo Alves Jr., os chineses querem melhorar o escoamento da soja que importam do Brasil e estão interessados no biodiesel, cujo pólo produtor é o cerrado, cortado pela ferrovia. Além disso, eles esperam ampliar as parcerias com o Brasil, vendendo trilhos, vagões e locomotivas.

Os americanos também importam soja, para ração animal. Já o interesse dos japoneses é o álcool (Nordeste e Centro-Oeste têm grandes estados produtores): eles estão investindo na mudança da matriz energética — hoje à base de gasolina e diesel — para atender ao protocolo de Kioto, que exige a redução das emissões de poluentes.

Já os alemães têm longa tradição como construtores de ferrovias. Eles conversaram semana passada com técnicos do Planejamento para ter mais informações sobre o empreendimento. A Norte-Sul, que começou a ser construída em 1987, funciona hoje apenas entre Açailândia e Estreito, no Maranhão. Pela previsão original, ela deve ir até Anápolis, em Goiânia.

O modelo de PPPs criado para ampliar a ferrovia prevê a licitação em três etapas. No total, será investido R$ 1,8 bilhão na construção de 665 quilômetros. O governo espera assinar o contrato da Norte-Sul, que seria o primeiro das PPPs, em fevereiro ou março de 2006. Na mesma época, será licitada a exploração dos cerca de 220 quilômetros já construídos, hoje explorados pela Vale do Rio Doce.

Transporte terá vários operadores

O investidor que vencer a licitação da Norte-Sul vai receber do governo, após a conclusão da obra, o pagamento pelos serviços, que equivalem à manutenção da ferrovia. Para a exploração do transporte será feita outra concorrência e selecionados vários operadores. Cada um utilizará seus trens para o escoamento da safra, favorecendo a competição e a redução das tarifas.

O governo está finalizando a regulamentação do Fundo Garantidor e espera publicar em outubro o primeiro edital das PPPs.

— É preciso assegurar que as regras do jogo não mudarão no meio do caminho. Trata-se de um investimento de 30 anos e o investidor tem de ter certeza de que não será prejudicado — explicou Alves Jr.

O Ministério do Planejamento tem estudos que mostram o enorme potencial econômico da Norte-Sul. Sua área de influência, no cerrado, chega a 66 milhões de hectares e abrange Piauí, Maranhão, Tocantins, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais. Por causa da soja, chineses e americanos estão de olho numa obra de infra-estrutura que atenderá a sete estados, divididos em quatro regiões que crescem mais de 10% ao ano e produzem 24 milhões de toneladas anuais.

A produção de soja em Maranhão, Piauí e Tocantins cresce 40% ao ano e já chega a cinco milhões de toneladas anuais, segundo informações obtidas por técnicos do Planejamento, embora o dado oficial da Conab fale em produção de 1,3 milhão. Outros indicadores do potencial econômico da região são a valorização da terra, a urbanização acelerada e a expansão da criação de gado.