Proposta é do governador Zeca do PT (MS). Críticos alegam que produção de álcool e açúcar ameaça sobrevivência de peixes
Estado de Minas – 22/08/05
Campo Grande – Um projeto de lei apresentado à Assembléia Legislativa pelo governador de Mato Grosso do Sul, José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, permitirá, se aprovado pelos deputados, a instalação no entorno do Pantanal de usinas de álcool e açúcar. Um subproduto dessas usinas é o vinhoto, que, segundo ambientalistas, pode absorver o oxigênio da água dos rios e provocar mortandade de espécies aquáticas.
Na semana passada, Zeca apresentou um projeto de alteração da lei estadual 328, de 1982, que proíbe a instalação de destilaria de álcool ou de usina de açúcar e similares no entorno do Pantanal. Para alterá-la, o governo argumenta que haverá benefícios socioeconômicos para o Estado e que não há hipótese de risco de impacto ambiental. No passado, ainda como deputado, o próprio governador foi contra a instalação de usinas nas imediações do Pantanal. “Fui contra pelo local e pela falta de tecnologia. Hoje, vocês, mais do que eu, sabem que há tecnologia para o aproveitamento racional do vinhoto e do bagaço para a produção de fertilizantes e energia”, declarou Zeca.
A intenção do governo é ampliar as nove usinas já existentes no Estado e instalar ao menos outras cinco até 2010. O governo prevê investimentos de R$ 1,1 bilhão. O governador também negocia com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) uma linha de financiamento. Para o secretário estadual da Produção e do Turismo, Dagoberto Nogueira Filho, “economicamente, não vai ter nada mais rentável do que a cana nos próximos 50 anos”. O prefeito de Coxim, Moacir Kohl (PDT), disse que, se a lei for aprovada, cairá “como uma luva”. O município é 1 dos 23 que ficam dentro da área de alcance estipulada pelo projeto de lei.
É a terceira tentativa de Zeca, em dois anos, de mudar a legislação ambiental. Em setembro de 2003, o governador baixou o decreto nº 11.409, que mudava a lei. Diante da repercussão negativa da medida, que desagradou a ambientalistas, voltou atrás e revogou sua decisão. A segunda investida ocorreu em março deste ano, quando o governador enviou o secretário Nogueira Filho à Assembléia para discutir um projeto de lei que permitisse a instalação das usinas. Mas, em maio passado, 14 deputados reagiram e criaram uma frente de defesa do Pantanal. Zeca recuou novamente. “É uma vitória do Pantanal”, anunciou na época o primeiro-secretário da Casa, Ary Rigo (PDT), que, apesar de aliado do governador, foi o autor da lei de preservação de 1982.
O ramo que mais contribuiu para campanha de reeleição do petista, em 2002, foi o sucroalcooleiro. Três usinas doaram juntas R$ 956,78 mil à campanha. Zeca arrecadou R$ 6,52 milhões ao todo, ou seja, 14,6% vieram das usinas. As doações foram legais.
Nessa terceira tentativa, para ser aprovado na Assembléia, onde o governo tem maioria, e convertido em lei, o projeto precisa dos votos favoráveis de 13 dos 24 deputados. Na quarta-feira passada, Zeca reuniu-se com 14 deputados.
PORTO Com as novas usinas, o escoamento da produção de açúcar deverá acontecer por meio de um terminal portuário na cidade de Porto Murtinho, no Pantanal, terra natal de Zeca do PT. Esse terminal pertence ao estado, mas a concessão de exploração é da família do governador. Localizado às margens do rio Paraguai, o complexo é avaliado em R$ 2 milhões. Em 2001, foi entregue pelo governo do estado à iniciativa privada. Dois anos depois, passou ao controle das empresas Riopar, de Myrian dos Santos —cunhada de Zeca — e Integrasul, de Ozório e Fábio dos Santos, respectivamente irmão e sobrinho do petista.
Na opinião do biólogo Alcides Faria, diretor-executivo da ONG Ecoa (Ecologia e Ação), “o dano mais evidente é a possibilidade de acidente com o vinhoto, o que provocaria uma mortandade de espécies aquáticas enorme”. O vinhoto, ou vinhaça, é um líquido residual do processo de destilação do álcool da cana-de-açúcar. Em contato com a água, ele absorve o oxigênio. “E se isso escorre para o Pantanal, o problema é amplificado. Isso porque a água é pouco oxigenada na planície, onde a correnteza do rio é muito lenta, não há rápida incorporação de oxigênio”.
POLUIÇÃO Zeca do PT afirma que não haverá danos ambientais. “É preciso ficar claro que não se está propondo a instalação de usinas no Pantanal, como se quer fazer parecer. A lei, se aprovada pela Assembléia, vai autorizar a construção de usinas apenas no altiplano, com todos os recursos tecnológicos que reduzem riscos de poluição”, disse. Segundo Zeca, o estado vizinho de Mato Grosso tem “quase uma dezena de usinas instaladas na bacia do Paraguai sem que se tenha notícia de um único acidente ambiental”. O governador nega que exista relação entre a contribuição, a campanha eleitoral e o projeto de lei.